A biodiversidade brasileira

A biodiversidade é um assunto de capital importância para a economia brasileira e, ao contrário do que muita gente pensa, seu equacionamento é urgente. Isso porque, segundo pesquisadores mais exigentes, da mesma forma que o mundo passará um dia a prescindir do petróleo, a biotecnologia talvez possa prescindir no futuro do material genético cuja única fonte atual é nossa biodiversidade. Embora possa parecer exagero, esse enorme patrimônio genético de que o País dispõe hoje poderá, então, virar frustração nacional, como ocorreu no século passado com a Hevea Brasiliensis, a seringueira nativa que teve mudas transportadas e cultivadas na Malásia, criando lá fora as riquezas imaginadas para a Amazônia.

A biodiversidade compreende toda a variedade de vida existente no mundo, incluindo variedades genéticas de espécies encontradas na flora, na fauna ou em microorganismos, bem como as funções ecológicas desempenhadas por tais organismos nos respectivos ecossistemas. Princípios ativos exsudados ou extraídos de espécies vegetais, utilizados desde sempre em comunidades primitivas, definem todo um arsenal terapêutico e fitossanitário que hoje é, predominantemente, industrializado pelos países de primeiro mundo para, a seguir, nos exportarem na forma de medicamentos ou defensivos agrícolas. O faturamento desse mercado no mundo ultrapassa a casa de centenas de bilhões de dólares/ano.

O valor patrimonial da biodiversidade brasileira está sendo levantado pelo Ipea em parceria com o Ibama. Preliminarmente, se estima um valor não inferior a US$ 2 trilhões, ou seja, quatro vezes o PIB do Brasil, incluindo-se aí os principais “serviços oferecidos” pela nossa biodiversidade, tais como a “oferta” de oxigênio e água imprescindíveis à subsistência do primeiro mundo em sua faina poluidora, além do banco de dados sobre princípios ativos necessários para a produção de medicamentos, alimentos, etc.

Calcula-se que o Brasil possui o maior patrimônio biológico do mundo, representado por 23% de todas as espécies de plantas, fungos e animais do planeta. Embora ainda não exista um inventário biológico confiável sobre nossa fauna ou flora, já se admite que nem 1% da biodiversidade brasileira é conhecida, fato este que tem trazido desconfortáveis conseqüências para delegações brasileiras no âmbito de negociações internacionais nessa área. Além disso, o desconhecimento do valor dessa riqueza impede uma adequada contabilização de prejuízos sofridos pelo meio ambiente no caso de acidentes ou crimes ecológicos.

Visando assegurar a conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável dos seus elementos e a partilha justa e equitativa das vantagens provenientes da utilização dos recursos genéticos, em 1992 foi aberta para assinaturas a Convenção sobre a Diversidade Biológica, conhecida como ECO-92. Constituída como o primeiro acordo mundial sobre diversidade biológica, essa convenção estabelece que a conservação da biodiversidade constitui uma preocupação comum da humanidade e é parte integrante do processo de desenvolvimento das nações. Para realizar os seus objetivos, a ECO-92 definiu uma nova parceria entre as nações, visando a cooperação científica e tecnológica, o acesso a recursos financeiros e genéticos e a transferência de tecnologias.

A informação contida na biodiversidade brasileira, pelo seu significado econômico e social em nível mundial, constitui um dos maiores patrimônios nacionais e, como tal, merece constante preocupação de toda a sociedade. Como a exploração comercial dessa riqueza não pode ser conduzida de forma desregrada, preliminarmente o governo federal disciplinou a matéria através de medida provisória, que vem sendo discutida e deverá ser, ainda, bastante aperfeiçoada. De acordo com essa norma legal, uma instituição estrangeira só poderá ter acesso ao patrimônio genético de espécies nativas do Brasil (plantas, animais ou microorganismos) sob a coordenação e responsabilidade de uma entidade de pesquisa nacional. A MP define regras para acessar o patrimônio genético nacional, protege conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade e cria um conselho responsável pela fiscalização das atividades pertinentes à matéria.

O arcabouço legislativo nacional assim definido é abrangente, mas ainda é carente num ponto de extrema relevância: o que mais interessa ao País é transformar a informação contida na biodiversidade sustentada em mercadoria fabricada localmente, para resultar em efetivo desenvolvimento tecnológico, na criação de empregos pela indústria e na conseqüente geração de renda nacional em toda a cadeia produtiva. Os incentivos aos centros de P&D (pesquisa e desenvolvimento) brasileiros para atuarem nessa área são de grande importância, mas se tal medida não for complementada por instrumentos que viabilizem a transferência dessa tecnologia para empresas industriais, instaladas e operando no Brasil, corremos o risco de propiciar a evasão dessa riqueza para o exterior. Ao restringirmos nossa política pública ao simples monitoramento de P&D, propiciamos a canalização direta das informações contidas em nossa biodiversidade para empresas localizadas no exterior que, lá fora, fabricarão os produtos farmacêuticos, defensivos agrícolas e cosméticos para nos exportarem a seguir, apropriando-se de todo esse imenso valor agregado.

Para que se torne realidade um efetivo projeto de nação é necessário apostar na empresa brasileira, viabilizando-a fiscal e financeiramente para cobrir os riscos da pesquisa e da produção exploratória nessa área, bem como estimulando-a através de outros mecanismos de política tecnológica, industrial e de comércio exterior. A aposta na empresa privada como motor da inovação tecnológica tem sido a receita infalível seguida pelo primeiro mundo em suas práticas internas, e razão de seu sucesso global.

Nelson Brasil de Oliveira

é vice-presidente da Abifina – Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina.

Voltar ao topo