A base constitucional da substituição processual pelo sindicato

Acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 4.ª Região (Rio Grande do Sul), da lavra do juiz Francisco Rossal de Araújo, relembra as bases do instituto da substituição processual pelo Sindicato na Constituição Federal de 1988. Eis a ementa: ?Substituição processual. A Constituição expressamente confere ao sindicato o poder de defender direitos ou interesses individuais ou coletivos da categoria, sem qualquer restrição. É impossível sustentar tese contrária por qualquer que seja o método de interpretação legal utilizado?.

A fundamentação assinala as seguintes questões: Ilegitimidade ativa do sindicato-autor para substituição processual. Ausência de comprovação que os substituídos são sócios do sindicato. A reclamada argúi a ilegitimidade ativa do sindicato autor, argumentando que o inciso III, do art. 8.º, da Constituição Federal não autoriza a substituição processual de forma indiscriminada. Afasta-se a tese da reclamada. A promulgação do art. 8.º, III, da Constituição Federal, trouxe novos horizontes para o instituto da substituição processual no que se refere os sindicatos, que passou de legitimação extraordinária para legitimação ordinária. O texto legal é o seguinte: ?Ao sindicato cabe defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais e administrativas?. A Constituição expressamente confere ao sindicato o poder de defender direitos ou interesses individuais ou coletivos da categoria, sem qualquer restrição. É impossível sustentar tese contrária por qualquer que seja o método de interpretação legal utilizado. A análise literal do texto leva a esta conclusão porque o verbo ?caber? é empregado no imperativo, indeferindo-se a necessidade de um meio jurídico apropriado para tanto. Na linha da análise histórica do instituto verifica-se a ampliação do mesmo no decorrer do tempo através de sucessivas leis.

A atual Constituição simplesmente consagrou um instituto que vinha ganhando força na legislação brasileira e que, de certa forma, contempla os anseios sociais do movimento sindical e dá agilização ao processo trabalhista, permitindo a melhor defesa dos interesses da categoria. É de ser lembrado que o processo Constituinte que culminou com a Carta Magna promulgada a 5 de outubro de 1988, debateu à exaustão o referido tema. Cita-se o estudo feito pela Juíza do Trabalho Magda Barros Biavaschi, em sentença prolatada no processo 1881-911/89, da MM 5.ª JCJ de Porto Alegre, onde é feita uma recapitulação dos debates parlamentares quando da votação do dispositivo legal ora analisado… A seguir, a transcrição de parte dessa defesa, tal como publicada no Diário da Assembléia Nacional Constituinte, no dia 12 de agosto de 1988:

?Sr. Presidente, Srs. Constituintes, a emenda do Deputado Nyder Barbosa, supressiva, é de maior relevância, porque faz prevalecer a vontade individual diante da vontade coletiva naqueles assuntos em que o direito dos trabalhadores não se restringe à sua atual. Não é possível que os sindicatos substituam a vontade individual e possam demandar, sem mais nem menos, a vontade, ilimitadamente, e, nome do trabalhador. Que o sindicato represente o trabalhador nas questões salariais, nas questões das relações e emprego, é lógico, Sr. Presidente, essa é a função do sindicato. Mas dar-se aqui na Constituição, poder ao sindicato para representar o trabalhador em qualquer demanda, em qualquer ação que muitas vezes, o trabalhador sequer dela toma conhecimento, ou não a deseja é um contra-senso, no mundo em que o primado do individual, do respeito à liberdade individual, acentua-se diante do desmoronamento dos velhos sonhos coletivistas que empolgaram o século atual. Srs. Sr. Presidente, não é possível que a vontade coletiva possa, desta maneira, substituir a vontade individual, e se dê poderes aos sindicatos para representarem o trabalhador em assuntos que nada dizem respeito à relação de emprego e à atuação do próprio Sindicato. É um contramento, um paradoxo, quando o princípio básico da Constituição assegura o primado do direito e das garantias individuais. Sr. Presidente, sabemos que hoje, mesmo na realidade da Justiça do Trabalho- quem atua nas lides obreiras sabe disso – são várias as chamadas ações de cumprimento, as ações de execução, ligadas aos dissídios coletivos, em que, muitas vezes o Sindicato se arroga o direito de representar o sindicalizado e este reage, por declaração pessoal, perante a Justiça do Trabalho, dizendo que não queria aquela ação de cumprimento, a execução do dissídio coletivo. O que se quer, Sr. presidente, através do dispositivo constitucional que a emenda pretende suprimir é evitar que, em nome da vontade coletiva, os sindicatos levem mais um instrumento de desestabilização social, mais um instrumento de desorganização da própria estrutura social, ao pleitear judicialmente, ao demandar, sem mais nem menos, em nome do trabalhador(…). ?É neste sentido, Sr. Presidente, que espero que esta augusta Assembléia possa provar a emenda Nyder Barbosa, suprimido o dispositivo arcaico do final se pretendeu substituir a vontade individual pela vontade coletiva?.

Na oportunidade, coube ao constituinte Plínio Arruda Sampaio a defesa da manutenção do texto final como ele hoje se encontra. Os argumentos por ele utilizados e que sensibilizaram os constituintes de tal sorte que, dos 400 Parlamentares presentes 311 votaram pela manutenção do texto como está, com 79 votos apenas para que a expresso ?individual? fosse retirada, revelam a vontade dos Constituintes de conferir aos sindicatos também legitimidade extraordinária, com possibilidade de atuarem como substitutos processuais na defesa dos interesses individuais dos membros da categoria. A seguir, na íntegra, as palavras do citado parlamentar:

?Sr. Presidente, Sras e Srs Constituintes, volto a pedir a atenção de V. Exas. para essa emenda, a fim de que neguem o voto à sua aprovação. O argumento é muito simples: um dos grandes avanços conseguidos por esta Constituição, ao contrário do que disse o nobre Constituinte, Paes Landim, é a possibilidade de as associações representarem em juízo seus associados. Numa época de gigantes econômicos, numa época em que o coletivo de certa maneira amassa o individual, entregar a um órgão intermediário a possibilidade de defender o cidadão, ao invés de ser um retrocesso, é uma defesa do indivíduo. Ao invés de apagar a individualidade, é um reforço da individualidade concreta. Temos já aprovada um artigo do capítulo dos ?Direitos e Deveres Individuais e Coletivos?, que diz: ?As entidades associativas, quando expressamente autorizadas, tem legitimidade para representar seus filiados em juízo e fora dele?. Ora, se qualquer entidade associativa pode representar seus filiados, desde que autorizada, em juízo ou fora dele, por que razão vamos tirar do texto aquilo que foi uma reafirmação desse princípio especificado ao problema sindical? Não tem sentido a supressão. a emenda acolhida pelo nobre relator é correta e faz parte do texto. O sindicato deve atender os interesses coletivos e individuais, pois muitas vezes a parte lesada tem interesse em não litigar diretamente com o empregador. Pode ser até muito interessante para a própria empresa não ter um conflito direto com seu empregado, com quem depois teria, provavelmente que trabalhar. É preciso que isso seja feito por um sindicato. Trata-se de algo que em vez de acirrar o conflito, limita-o, moderniza-o e objetiva-o, tirando-o do confronto pessoal e direto, tornando-o um conflito mais coletivizado e objetivizado. Por isso, tenho a certeza de que os colegas dirão ?não? a essa emenda supressiva?.

Na oportunidade, ainda, o Relator Bernardo Cabral alertou aos parlamentares de que o que estavam pretendendo suprimir já era assegurado pelo inciso XXI do artigo 5.º da Carta, conforme de resto já se disse acima.

Diante dos fatos acima narrados, e adotada interpretação histórica e sistemática, afirmando-se que a ?ratio legis? não é outra senão a de possibilitar aos sindicatos profissionais a atuação em juízo na condição de substitutos e na defesa dos interesses de todos aqueles que fazem parte da categoria pela entidade representada, amplitude esta reforçada pelo texto do artigo 8.º da Lei n.º 7788/89. Mesmo antes da edição dessa lei, o jurista Celso Ribeiro Bastos reconhecia, no inciso III do artigo 8.º a figura da substituição processual, ao dizer: ?Os sindicatos têm também a função de defender os interesses e direitos individuais de seus membros. Atuam em nome próprio mas em defesa de outrem. São, processualmente falando, substitutos processuais? (Comentários à Constituição Federal do Brasil, Editora Saraiva, 2.º Volume, pág. 518). Registra-se o que corretamente afirmou o Parlamentar Plínio Arruda Sampaio na defesa da substituição processual: ?Ao invés de afastar a individualidade, é um reforço da individualidade concreta?. A liberdade está no direito que tem o cidadão de associar-se ou não a uma entidade sindical. Mais importante que o estudo literal, sistemático ou histórico da norma é a sua abordagem teleológica. O fim desejado pela norma ultrapassa as fronteiras puramente formais do texto legal e vai ponderar sobre seus efeitos na sociedade para a qual é destinada. O aplicador da lei não pode, jamais, olvidar-se dos efeitos que a lei que será aplicada produzirá na sociedade. O juiz não pode permanecer apenas no trabalho técnico de sistematização das normas positivas mas também deve exercer seu senso crítico, pesquisando, especulando e posicionando-se dentro da realidade em que está inserida. O mundo moderno, às portas de um novo milênio, discute temas como a distribuição de renda, os interesses difusos e a defesa do patrimônio ecológico internacional. Entretanto, as diferenças aumentam entre as classes sociais e entre os indivíduos. A simples constatação de que entramos num regime político com tendência democratizante, sendo a Constituição de 1988 um passo importante neste sentido, não basta para que os direitos sociais sejam efetivamente assegurados. Para que isso aconteça é preciso um constante aperfeiçoamento da sociedade e das instituições e a discussão de sus problemas com a possibilidade de que as soluções contemplem os interesses da maioria. A garantia dos direitos individuais somente será efetiva quando os direitos sociais forem reconhecidos para todos os grupos marginalizados e expropriados de nossa sociedade. Do contrário viveremos num Estado de Direito fictício, onde as leis são feitas para não serem cumpridas e os interesses dos grupos minoritários que concentram a maior renda sempre receberão a compaixão do Estado. O Direito, reflete, ainda que de forma demorada, as modificações na sociedade sendo significativo, como já foi dito, que os profissionais que com ele lidam não apenas permaneçam na abordagem técnica dos temas mas que tenham senso crítico capaz de questionar a validade das normas enquanto distribuidoras de justiça. Por estes motivos cresce a preocupação na moderna teoria da ação acerca dos direitos difusos e de como a teoria tradicional não está tendo fôlego para solucionar lides de tal natureza. Os conceitos de LIEBMAN sobre legitimidade de parte, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido, acolhidos no Código de Processo Civil de 1973, não são suficientes para atender ao crescente número de demandas propostas por entidades intermediárias da sociedade civil, tais como associações de bairros, sindicatos, associações profissionais, etc. A atuação destes grupos na sociedade têm aumentado muito, e as carências da teoria das condições da ação antes citadas refletem-se também na análise dos efeitos da coisa julgada. O certo é que a realidade demonstra cada vez mais que os indivíduos agrupam-se para a melhor defesa de interesses comuns e que o Judiciário precisa perceber esta realidade saindo da concepção individualista da relação processual. É claro que a abrangência do pólo passivo ou ativo de uma lide ou mesmo a extensão dos efeitos da coisa julgada pressupõe uma nova postura do Poder Judiciário perante a sociedade. Da posição inerte preconizada na teoria geral da ação pelo princípio dispositivo, passa-se a um abrandamento, mesclando-se normas que aumentem o caráter inquisitório da atuação do Juiz.

No Processo do Trabalho especificamente a discussão também possui enorme relevância. Existe um caráter instrumental do Processo do Trabalho que visa a satisfazer pretensões de natureza social. Sem dúvida alguma o Direito do Trabalho, mais do que qualquer outro ramo do Direito, precisa contemplar os anseios de uma Justiça Distributiva, equiparando partes desiguais. Não é à toa a sedimentação do Princípio da tutela jurídica do obreiro que norteia o Direito Material e também o Direito Processual do Trabalho enquanto instrumento daquele. A Substituição Processual deve ser analisada neste contexto. O Dr. Ronaldo Lopes Leal, Ministro do TST e então Juiz do TRT da 4.ª Região, em artigo de doutrina intitulado ?O Sindicato como Promotor da Justiça Social?, assim refere-se ao tema:

?No estágio atual de desenvolvimento do direito do Trabalho convém que se medite profundamente sobre a infração social, isto é, a lesão ao Direito do Trabalho. Parece que esta lesão não pode ser encarada pelo Estado com a indiferença de quem apenas emitiu normas de direito material que espera que sejam exercidas por seus titulares. Deve-se reconhecer que estão disseminados na sociedade entraves ao exercício das pretensões pelos trabalhadores: a fortaleza do empregador, a possibilidade de represálias através das chamadas listas negras, a insegurança decorrente do desemprego, o interesse do empregado em não desagradar o empregador, a fim de ascender na empresa (o que se observa principalmente nos trabalhadores fiduciários ou naqueles que exercem chefias). Há, ainda, entraves de natureza psicológica que resultam dos confrontamentos antes mencionados, os quais incidem sobre a sociedade, especialmente sobre a comunidade trabalhadora como um universo intimidador? (?in? Anais do 1.º Congresso Nacional sobre a Nova CLT, realizado em Passo Fundo, RS, 22 a 27 de outubro de 1979)

A realidade mostra que a organização sindical brasileira possui instrumentos que reforçam sua ação no campo jurídico institucional, entre eles a substituição processual consagrada pelo art. 8.º, III da Constituição Federal. Entendimento diverso significa prender-se aos melhores preceitos do individualismo jurídico e interpretar a norma de uma forma mesquinha, na contramão da evolução histórica. Por essa razão, nega-se provimento ao recurso da reclamada, no que diz respeito à ilegitimidade ativa do sindicato-autor. A reclamada ainda pretende a reforma da sentença, para que o feito seja extinto sem julgamento do mérito, em razão de que o sindicato não comprova que os empregados substituídos sejam sindicalizados. O inciso III, do art. 8.º, da Constituição Federal estabelece ampla substituição processual, não se restringido aos empregados sindicalizados, mas abrangendo todos aqueles que pertençam à categoria. Por essa razão, nega-se provimento ao recurso da reclamada. o exposto, Acordam os Juízes da 8.ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4.ª Região: por unanimidade, negar provimento ao recurso da reclamada.

Intimem-se. Porto Alegre, 19 de julho de 2007. Francisco Rossal de Araújo, Juiz Relator-Acórdão 00063-2005-821-04-00-3 – RO – Recorrente Unibanco e Recorrido Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Alegrete?.

E-mail: edesiopassos@terra.com.br

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