Vinicius Coimbra diz que ‘Matraga’ foi feito para o grande público

Vinicius Coimbra ouve atentamente o repórter. Em 1965, quando Roberto Santos fez sua adaptação de A Hora e a Vez de Augusto Matraga, o Cinema Novo ditava as regras no cinema brasileiro. Internacionalmente, ainda era recente o impacto produzido por Yojimbo, clássico de espada de Akira Kurosawa que inspirou Sergio Leone a fazer Por Um Punhado de Dólares. Foi o filme que deu respeitabilidade ao spaghetti western. Kurosawa utilizou a lente zoom, que achatava o fundo da imagem e dava uma espécie de balanço à movimentação de seu ator, Toshiro Mifune. Roberto Santos fez a mesma coisa com seu Matraga, e seu ator, Leonardo Villar.

Coimbra admite que o cinema japonês é sua grande referência. Kurosawa e, o que pode parecer surpreendente, Yasujiro Ozu, o mestre zen do minimalismo. Santos seria o Kurosawa neorrealista. Coimbra é o épico. Mais que isso – o mítico. Mas atenção – “Matraga não é um personagem monolítico. Podem-se fazer várias leituras dele, cada um pode vê-lo escolhendo o ângulo que mais o sensibiliza. Posso ser atraído pelo mito, mas investi menos em Matraga como fenômeno social.” Dessa maneira, ele acredita estar sendo fiel a Guimarães Rosa. “Parece incrível quando a gente pensa que, para o muito e grandioso que escreveu sobre o sertão, Rosa o tenha conhecido tão pouco. Ele fez uma viagem preparatória que durou algumas semanas, mas se impregnou. E, a partir daí, se libertou para criar. Fundou um sertão fabulário e mitológico, com personagens maiores que a vida e palavras que ia inventando.”

Era esse o desafio de Coimbra e de sua corroteirista, Manuela Dias (ela também escreveu com ele A Floresta Que Se Move). Reinventar Matraga para o público do século 21. “É um crime que um personagem desses e um filme como o de Roberto Santos não impregnem o imaginário do brasileiro.” Dar corpo, dar voz, dar paisagem a Matraga. “Filmes com conteúdo artístico não precisam abrir mão da comunicação com o público”, alerta o diretor. O curioso é que antes de Nhô Augusto, ele queria filmar Campo Geral, que virou filme de Sandra Kogut, Mutum – com João Miguel. “O João não tem physique du rôle, não corresponde à descrição que Rosa faz do personagem. Mas eu o queria porque Matraga, que não é homem, não é nada, como escreve Rosa, é um bruto que se quebra sem se vergar, como a espada do samurai. Matraga se revelou para mim, como um homem fragmentado, cheio de fendas emocionais. É um produto do sertão de Minas, e a paisagem é muito importante na definição do personagem, mas acredito que também existem Matragas no asfalto de São Paulo e do Rio. E isso o João me dava. O que precisei foi fazê-lo crescer. Quem conseguiu isso foi um mestre butô, Tadashi Endo. Ele veio da Alemanha para fazer a preparação de João Miguel. Ficou uma semana com a gente em Diamantina. Foi a primeira vez que utilizou o butô para preparar um ator para um papel, num filme. E conseguiu.”

Há, na essência da história de Augusto Matraga, uma fábula de superação. De cara, ele é mostrado como um homem violento e vicioso que, encurralado, dá um salto no vazio (após ser marcado como gado). A experiência da quase morte o faz renascer. Alertado pelo padre, toma consciência e foge da tentação. Seu mantra é – “Pro céu eu vou nem que seja a porrete.” O resgate do cavalo, sua doma, é fundamental no processo de resgate do próprio Matraga. Mas o passado o persegue, e o encontro com Joãozinho Bem-Bem deflagra o velho conflito entre bem e mal. Ao enfrentar o outro, Matraga vai tentar extirpar nele o mal que ameaça se reapossar dele mesmo. Só que seria injusto ver nisso apenas uma releitura de Rosa à luz do gênero. “O que me interessa é a tragédia dentro da aventura”, define o diretor. “Matraga é um personagem muito masculino, com dilemas que são os do guerreiro. Honra, coragem, dever. Ao mesmo tempo, relaciona-se com a religião e a morte. Creio que o Rosa me ajudou muito no processo. Quanto mais me apropriei de seus diálogos, de seu linguajar, mais o personagem cresceu e ficou verdadeiro.”

Para essa apropriação, Coimbra revela não ter se fixado só em A Hora e a Vez de Augusto Matraga, o conto de Sagarana. “Fiz um acordo com a família e comprei também diálogos e descrições de Grande Sertão que me pareciam essenciais para dar mais força ao que pretendia fazer.” Como o repórter notou algo diferente no filme – em relação ao que venceu no Rio -, ele termina por admitir. “Baixei o volume da música e aumentei o dos diálogos.” Matraga ganhou com isso. Estão se completando quatro anos desde a premiação do filme no Festival do Rio de 2011. Basicamente, foi a falta de verba que segurou o lançamento. É ainda a falta de verba que limita a estreia a 20 salas, apenas.

O Macbeth – A Floresta Que Se Move – que Coimbra lança em 5 de novembro será maior. Cem salas. Coimbra não se queixa das regras do mercado, que hoje privilegiam as comédias. Emendar um Guimarães Rosa com um Shakespeare não é só ambicioso, como projeto artístico. É arriscado. “Mas eu acredito nos filmes. Acredito no Matraga, no Floresta. Tem gente que acha que a gente só sabe fazer comédia, mas eu acho que quem for ver Matraga vai ter uma surpresa. Porque o filme é esteticamente belo e dinâmico. Tem interpretações geniais. Nosso desafio é tirar o público de casa para que as pessoas descubram isso.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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