Veríssimo, da crônica ao jazz

Luís Fernando Veríssimo é considerado uma das personalidades mais tímidas e arredias da cultura brasileira. Ele seria o terror dos entrevistadores, justamente porque não teria, ao conversar, a mesma eloqüência dos seus textos. Por sinal, um jornalista dificilmente é um bom entrevistado, porque sofremos para fazer aquilo que queremos quando estamos ?no controle? – não somos diretos, somos prolixos. Mas voltando a Veríssimo, ele é pouco entrevistado justamente porque todos pensam que ?não vai dar boa entrevista?.

Só que há uma forma de o principal cronista do Brasil falar sem amarras. É só falar do seu assunto mais prazeroso, a música. Se possível, falar de jazz. ?Um tema de jazz é como uma crônica. Você inicia com um mote e depois vai desenvolvendo-o, improvisando. É uma comparação forçada, mas é mais ou menos isso?, comenta o escritor, jornalista e saxofonista, que esteve em Curitiba na semana passada para se apresentar com os amigos na banda Jazz 6 – o show foi na sexta, no Via Rebouças.

O nome do grupo era auto-explicativo. Era, porque um dos integrantes teve que se afastar dos shows por causa de problemas de saúde. ?O Veríssimo está preocupadíssimo, porque agora temos um sexteto com cinco pessoas?, brinca o contrabaixista Jorge Gerhardt, que pode ser considerado o líder da turma. Foi ele quem reuniu músicos da noite de Porto Alegre para tocar jazz e bossa nova, em 1995. ?Quando falei com todos e sugeri a presença do Luís Fernando, ninguém acreditou. Mas eu sabia que ele adorava jazz, e que aceitaria sem problemas o convite para tocar com a gente?, revela.

Veríssimo tem uma ligação afetiva com a música. ?Se me perguntassem se eu prefiro escrever a tocar, eu escolheria tocar. A música é prazerosa, eu me divirto fazendo isso, participando dos shows com a Jazz 6. Mas a literatura é o meu sustento?, explica o cronista. A banda já gravou três álbuns – o mais recente, A Bossa do Jazz, é de 2003 – e se apresenta regularmente no circuito brasileiro de jazz. Por razões óbvias, o maior número de shows é no Rio Grande do Sul. ?Lá a gente toca até em supermercado?, diz Veríssimo, que reconhece nos seus conterrâneos um público mais interessado em música instrumental. ?Não sei por qual motivo, mas o jazz chegou a Porto Alegre lá por 1920, ao mesmo tempo em que aparecia em Chicago?, brinca.

A chance de tocar no exterior apareceu durante a Copa do Mundo – Luís Fernando Veríssimo estava na Alemanha como colunista do jornal O Globo. ?Havia uma série de apresentações de música brasileira, além de leituras de crônicas. Eu fui convidado para ler textos meus, e quando souberam que eu tocava em um grupo, tentaram levar todos para lá?, lembra o escritor. ?Como as coisas na Alemanha são feitas com meses de antecedência, quando chegou a nossa vez faltou dinheiro?, completa Jorge Gerhardt.

Na Europa ou no Brasil, a Jazz 6 não mudaria seu repertório: música instrumental dos anos 40s e 50s, standards dos irmãos Gershwin e Cole Porter, composições de Tom Jobim e temas mais novos (nem tão novos assim) de Djavan e Gilberto Gil. ?A música mais nova que a gente toca, Se eu quiser falar com deus, é do início dos anos 80s?, afirma Gerhardt. ?Nós apostamos muito em canções conhecidas, que o público se identifique?, reitera Veríssimo.

E se os amantes de jazz e bossa nova de Curitiba ainda não viram a Jazz 6, há duas oportunidades este ano – um show fechado para um grupo educacional e uma apresentação em um festival de música, ambos programados para setembro. ?Aqui é maravilhoso. Gostamos de lugares em que o público entenda de música, e Curitiba é um desses lugares?, diz o contrabaixista. ?Somos muito requisitados por aqui?, finaliza o falante Luís Fernando Veríssimo.

Boa música é a dos anos 50s

Para alguns, as grandes composições não existem mais. Não há mais canções perenes, como as compostas há cinqüenta ou sessenta anos. Luís Fernando Veríssimo não é dos mais herméticos, mas seu gosto musical está no repertório da Jazz 6 -muitas músicas antigas, poucos temas novos.

A banda tem como grande destaque as interpretações de temas de Duke Ellington e Thelonius Monk. Além destas, são comuns canções que ficaram eternizadas nas vozes de Bing Crosby, Frank Sinatra e Tony Bennett. ?São coisas dos anos 50s e 60s que ganham a nossa interpretação. Às vezes fazemos um jazz em ritmo de bossa nova, uma bossa do Tom Jobim com toques de jazz. São músicas ligadas, e a gente tenta uma visão pessoal de cada tema?, comenta Veríssimo.

Como bom instrumentista, o escritor sabe que a música instrumental tem um público diminuto no Brasil. ?Sempre foi assim, só que agora está pior. O espaço está cada vez menor, é só ver nas lojas de discos. Em nenhum lugar há um grande público para música instrumental ou para jazz?, avalia.

Ao mesmo tempo, surge uma nova geração de cantores e cantoras, como Diana Krall, John Pizzarelli, Michael Bublé e as brasileiras Eliane Elias e Luciana Souza. ?Eu acho isso muito bom, porque o cantor atrai mais. Uma personalidade forte ajuda?, comenta Veríssimo, que tem a sua favorita. ?Estou escutando muito a Patricia Barber, ela é ótima.?

Confusão

Apesar de serem uma banda de jazz e bossa nova, a Jazz 6 já teve que encarar alguns ?desafios?. ?Já fomos chamados para uma apresentação no interior do Rio Grande do Sul em homenagem aos fundadores da cidade. Só havia gente de 80 e 90 anos, ficamos tocando coisas como Saudades de matão?, conta o contrabaixista Jorge Gerhardt. ?Em outra ocasião, quando chegamos ao local do show recebemos a orientação de só tocar músicas da Jovem Guarda.? A sorte dos integrantes da banda é que todos (até Luís Fernando Veríssimo) tiveram experiências tocando em bailes na juventude. ?Você tinha que saber tocar qualquer música?, resume Gerhardt.

Voltar ao topo