‘Urinal, O Musical’ trata com humor o problema da escassez de água

O título causa estranheza, mas o tema é urgente – Urinal, O Musical, que estreia nesta sexta-feira, 3, no Teatro do Núcleo Experimental, trata dos graves problemas provocados pela escassez de água. O tom é de comédia: em algum momento do futuro, é possível concluir, uma seca de 20 anos resultou em uma terrível falta de água que obriga os donos do poder a proibir a existência de banheiros particulares – toda atividade sanitária só pode ser realizada em sanitários públicos, controlados por uma megacorporação, a Companhia da Boa Urina, cujo comandante é conhecido por Patrãozinho.

Só que o uso dos banheiros é pago e quem é flagrado fazendo necessidades fora desse espaço é enviado para uma suposta colônia penal chamada Urinal, de onde ninguém volta. Contra isso, surge o jovem Bonitão, que lidera uma revolta popular favorável ao franqueamento do uso dos banheiros.

Escrito pelos americanos Greg Kotis e Mark Hollmann, Urinetown – The Musical

estreou em 2001 em um teatro pequeno. O sucesso fez o espetáculo pular para espaços maiores até se tornar um hit ao faturar três prêmios Tony, o Oscar do teatro americano. “Conheci o espetáculo nesta época, mas só assisti a uma montagem no ano passado, em Londres”, conta Zé Henrique de Paula, diretor da versão brasileira. “Entre a estreia nos Estados Unidos e a apresentação na Inglaterra, não houve mais montagens. Isso comprova como o musical ainda é perturbador.”

Mas tem justamente o tom provocador que interessa ao Núcleo Experimental, grupo de artistas preocupado em explorar novos autores, além de repensar os clássicos. “Faz dez anos que pretendia montar esse musical, especialmente pela possibilidade de trabalhar mais diretamente com canções.”

O agravamento do problema da falta d’água em São Paulo convenceu Zé Henrique e Fernanda Maia, diretora musical, de que era o momento certo para montar Urinal. “Em meio à maior crise hídrica já vivida no Estado de São Paulo, nos parece essencial trazer ao debate as consequências de um estilo de vida que já ultrapassou todos os limites de sustentabilidade. Por meio do humor e da música, questões urgentes são trazidas à cena, ilustrando um futuro apocalíptico que em muito se assemelha ao presente que vivemos”, observa o encenador.

Não se trata, porém, de um musical nos moldes tradicionais. Ok, há dança e atores cantando, mas nenhum deles conta com o auxílio de microfones – a intenção de Zé Henrique e Fernanda foi a de valorizar as interpretações e reforçar o realismo, ainda que, na peça, esbanje ironia. “Também não realizamos audições – o elenco é quase todo formado por atores com grande experiência em teatro e pouca ou nenhuma em musicais”, conta Fernanda, que rege a banda formada por cinco profissionais. “Como há uma heterogeneidade muito grande de idades e tipos físicos dentro do elenco, isso se reflete na sonoridade do grupo.”

Há também uma paródia embutida a outros musicais, pois é possível identificar citações a Les Misérables e Chicago. “Mas a principal inspiração são os cabarés alemães do início do século passado, aqueles que figuram na obra de Brecht e Weil, especialmente Ópera dos Três Vinténs, cuja ambiência sombria e decadente lembra muito a de Urinal”, observa Zé Henrique. “E, como acontece nessas obras alemãs, o espectador é seduzido por um clima tranquilo, esperançoso até que, de repente, é forçado a voltar à dura realidade”, completa Fernanda.

Isso porque Urinal, O Musical é uma distopia futurista ao estilo das consagradas por George Orwell e Aldous Huxley. Para isso, foi decisiva a definição da cenografia e dos figurinos, ambos criados pelo diretor.

Como a peça se passa em vários espaços, Zé Henrique criou um dispositivo cenográfico inspirado nos becos vitorianos, em imagens de Gotham City, fábricas abandonadas e a arquitetura dos banheiros públicos no fim do século 19. Para combinar com esse ambiente, os figurinos transmitem a sensação pós-apocalíptica, ao utilizar sobreposições de camadas para causar um efeito de estranhamento e devastação. “E só utilizamos material reciclável no cenário e nos figurinos”, conta o diretor, que comanda o elenco formado por Adriana Alencar, Bia Bologna, Bruna Guerin, Caio Salay, Daniel Costa, Fabio Redkowicz, Gerson Steves, Luciana Ramanzini, Nábia Vilella, Paulo Marcos Brito, Roney Facchini, Thiago Carreira e Thiago Ledier. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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