TV vira modelo para o cinema

A popularidade e o alcance da televisão no Brasil transformaram o veículo em modelo para a indústria cinematográfica em sua retomada. Além dos rostos que despertam o fascínio de milhares de pessoas em função da aparição na telinha, cineastas e produtores têm recorrido a linguagens, temas, histórias e até produtos já testados e aprovados pelo público.

O intercâmbio é antigo e já rendeu incursões cinematográficas de Xuxa, Renato Aragão e dois personagens de Luiz Gustavo: “Beto Rockfeller”, que ganhou as telonas um ano depois de exibida pela TV Tupi, e Mário Fofoca, que saiu de “Elas por Elas” para “As Aventuras de Mário Fofoca”, em 1982.

Nos últimos anos, no entanto, a relação vem ganhando novos contornos. Depois de a Globofilmes levar para o cinema as microsséries “O Auto da Compadecida” e “Caramuru – A Invenção do Brasil”, ambas de Guel Arraes, estão em produção, atualmente, três longas baseados em séries da tevê: “Os Normais”, “Casseta & Planeta Rumo ao Oscar” e “Ilha Rá-Tim-Bum”.

O intercâmbio na produção, distribuição e promoção é visto com bons olhos por cineastas que acreditam no potencial da tevê como impulsionadora da indústria cinematográfica. “A relação é indispensável e acontece em qualquer parte do mundo que tenha tevê e cinema minimamente desenvolvidos”, defende Cacá Diegues, cujo atual sucesso, “Deus é Brasileiro”, tem a Globofilmes como co-produtora. “A tevê acrescenta agilidade ao cinema: tem estúdios, equipe, equipamentos, tudo para facilitar uma produção”, opina Eliana Fonseca, diretora de “Ilha Rá-Tim-Bum”, co-produzido pela TV Cultura.

A unanimidade termina, no entanto, quando se fala na transposição pura e simples de produtos televisivos para a telona, caso das microsséries “O Auto da Compadecida” e “A Invenção do Brasil”. Fernando Meirelles, diretor de “Cidade de Deus”, destaca “O Auto” como um dos melhores filmes da retomada do cinema nacional. “Este e alguns outros programas da tevê merecem a experiência mais concentrada que só o cinema pode oferecer”, avalia Fernando. Já Cacá é incisivo ao destacar o absurdo de se levar ao circuito cinematográfico uma obra já exibida na tevê. “A Globo coloca o ?Vale a Pena Ver de Novo? no horário nobre? Nosso horário nobre é o circuito exibidor. Não queremos produtos requentados”, sentencia.

A preocupação em quebrar o rótulo de “requentado” é comum entre os profissionais envolvidos com as versões cinematográficas de séries de tevê. Diretor de “Os Normais”, José Alvarenga Jr. destaca o clima romântico e o “resgate do uso lúdico do palavrão” como os grandes diferenciais do filme. “Trabalhamos com a consciência de que a pessoa tem de sair de casa na sexta à noite, com ?Os Normais? de graça na tevê, para ir ao cinema”, justifica. À frente da produção do longa-metragem do “Casseta & Planeta”, Lula Buarque de Hollanda jura que quer fazer uma quebra na linguagem da tevê com o filme do grupo. “Não fizemos o óbvio, que seria investir em personagens que já existem”, faz questão de ressaltar, mesmo admitindo que a popularidade de Bussunda e sua trupe vai ser decisiva para o sucesso do projeto.

O apelo comercial de personagens, histórias e obras já testadas na tevê é tão grande quanto a força de uma produtora como a Globofilmes na divulgação de seus longas – sejam eles inspirados ou não na produção televisiva. O fato deixa receosos alguns cineastas. “Cria-se um padrão de investimento em mídia impossível a qualquer produção independente”, compara Sérgio Rezende. A preocupação é semelhante à dos cineastas que temem a influência demasiada da linguagem televisiva sobre a produção cinematográfica, com enredos facilmente digeríveis, rostos célebres, situações cômicas ou melodramáticas e o abuso de closes e planos médios. “Em cada país, a relação entre tevê e cinema se dá de acordo com condições específicas. Como no Brasil a indústria televisiva é muito mais poderosa, o cinema acaba tendo de fazer concessões”, conforma-se Cacá Diegues.

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