Suor e lágrimas

Tristeza e alegria em um dia na Sociedade Protetora dos Animais

Ao chegar à Sociedade Protetora dos Animais de Curitiba (SPAC), fui recebida pela anfitriã, uma cachorrinha idosa que perdeu sua parceira de soneca há um mês, segundo a funcionária Margarida Valesco, 46 anos. Abrindo os portões, vários cachorros se levantaram em um pulo e percebi que em alguns faltavam partes do corpo, como patas e olhos.

Sentindo certa melancolia, ajudada pelo tempo chuvoso curitibano, entrei na pequena casa que abrigava vários filhotes de gatos e cães. Na sala de recepção, onde as paredes eram forradas com panfletos de “procura-se cão”, fui intrometida e entrei na conversa de Maria de Lourdes, 60 anos, Luciane Lima, 40 anos, e Ediane Lima, 26 anos.

A mais jovem segurava uma cadela de pelagem pérola no colo, enfeitada com um lenço rosa, com bolinhas brancas no pescoço. Ediane viu a cachorrinha desfilar pela calçada na frente de sua casa, exibindo-se para seu cachorro Noah, também encontrado na rua e adotado pela dançarina.

O motivo da visita à ONG foi tentar a castração de Pipocca, (com dois c’s), pois seu outro cachorro, um Cocker negro, quase destruiu a porta da casa dos Lima na noite passada, pois estava apaixonado por Pipocca e não conseguia ficar longe da amada. O processo de castração para Pipocca não daria certo, pois o risco de hemorragia grave era de 90%, segundo a veterinária Andressa Meride Campos, 32 anos.

Ediane e sua mãe Luciane decidiram que para o bem de Pipocca, esperariam mais uma semana e tentariam comprar outra porta caso Noah a quebrasse. A sugestão foi deixar Noah na casa de uma amiga de Ediane, que sempre fica com o cachorro dócil e elétrico quando a família vai viajar.

A SPAC tem como objetivo principal proteger e defender animais carentes ou maltratados. Fundada em 20 de abril de 1972, pela professora Enid Bernardi, a ONG era apenas um pequeno escritório para orientar a população na situação de abandono de animais. Em 1975, a SPAC mudou-se para sua sede atual no Santa Cândida, onde os animais hoje possuem um lar e cuidados veterinários.

Porém, os bichanos precisam de mais espaço e a SPAC possui um terreno em Colombo, mas não tem dinheiro suficiente para a construção completa do local. Hoje a ONG abriga em torno de mil animais e não pode mais recolher cães das ruas ou deixados em sua porta, exceções em casos extremos. A SPAC é uma fundação não governamental sem fins lucrativos e não recebe ajuda alguma do município.

Voluntariado

A representante da SPAC, Soraya Simon, contou como descobriu seu amor pela ONG. “Sempre ouvi falar desde adolescente de ONGs, mas nunca tive coragem de ir, ouvia falar que era um lugar horrível. Morei fora alguns anos e voltei em 2001, vi um anúncio no jornal pedindo ração e fui levar. Então, comecei a ir fins de semana e feriados, e sem perceber, fui me envolvendo cada vez mais”, finalizou Soraya, que desde criança sempre amou animais.

Para o futuro da ONG, a representante é sonhadora e deseja que o número de animais necessitando de socorro diminua por mudanças na sociedade e que a SPAC possa ter toda a estrutura necessária para atender os bichos que hoje não são só abandonados necessitando de socorro, mas por famílias com dificuldades financeiras também.

A voluntária Maria de Lourdes ajuda a ONG desde sua mocidade e já chegou a ter 50 cães em sua casa. Maria relatou que está cansada e pretende parar daqui a alguns anos com o trabalho voluntário, pois a idade já não ajuda e a mulher que dedicou metade de sua vida para cuidar de animais quer um descanso, apesar de afirmar que se ainda puder fazer algo pelos animais, sempre fará.

A última cadelinha que adotou ganhou o nome de Valentina, homenagem à cachorra guerreira que passou todas as fases da doença cinomose, enfermidade crônica que desintegra o sistema nervoso dos cães. Hoje, Valentina é alegre e feliz, porém sofreu sequelas de sua doença e não consegue andar. “Tentei ,fazer uma cadeirinha de rodas para ela, por vídeos tutoriais pelo youtube, mas não consegui, ela caia para o lado. Vou tentar comprar, apesar de ser um pouco caro”, completou a voluntária esperançosa.

No canto de outra sala estavam vários filhotes de cães que, segundo a voluntária Maria, não sobreviverão. “Todos estão com cinomose, geralmente quando chegam aqui já estão infectados e a outra ninhada que vem também pega a doença”, disse Maria quase às lágrimas.

A voluntária e médica veterinária Andressa, morava próximo à ONG e sempre ia ao local para ajudar. Quando cursava medicina veterinária na Universidade Tuiuti, a estudante fazia estágio na SPAC e ensinou aos funcionários e voluntários alguns procedimentos clínicos, como medicação para vermes e a limpeza adequada para o ambiente dos bichanos. Para a veterinária, a maior dificuldade diária é lidar com o abandono de alguns animais, pois a casa não pode mais recolhê-los.

O caso dos cães deformados

Ao chegar à sala de recepção da SPAC, aguardei a médica veterinária Andressa que estava no meio de uma cirurgia de remoção de útero de uma cachorra. A voluntária Maria de Lourdes trouxe a cadela de porte médio à SPAC para a castração e remoção de alguns filhotes mortos que ainda ficaram em seu ventre.

De cinco cães, apenas dois nasceram com vida e em estado perfeito, os outros três nasceram deformados e mortos. Este caso ocorreu porque quando a cadela estava no cio, injetaram nela um hormônio anticoncepcional que fez parar o desenvolvimento da prole, assim nascendo filhotes deformados e mortos.

Os uivos de dor da cadela eram ouvidos de longe, foi quando uma funcionária abriu a porta e com ela estava uma bacia com um pedaço de carne e sangue. A cirurgia estava completa. Injetar hormônios em cadelas, antes ou depois do cio é extremamente perigoso e, segundo médicos veterinários, há ainda mais chance de a cadela desenvolver câncer de útero, de mama e cegueira.

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