Telespectador surpreende cada vez mais

Os profissionais da tevê fazem de tudo para surpreender o público – mirabolantes reviravoltas nas novelas, atrações bizarras nos programas de auditório, investimento em formatos como o “reality show”, que, aliás, já dá sinais de desgaste. Sem qualquer esforço, no entanto, os espectadores é que sempre surpreendem. Autores, diretores e apresentadores são unânimes ao reconhecer que o gosto do público é um mistério. De fato, é difícil imaginar por que “Esperança” passa longe dos índices de “Terra Nostra”, ambas de Benedito Ruy Barbosa, com temática sobre imigrantes e nomes repetidos no elenco. Ou, ainda, justificar o segundo lugar no Ibope de “Eu Vi na Tevê”, que submete os participantes a “pegadinhas” e constrangimentos afins.

Para Antônio Calmon, autor de “O Beijo do Vampiro”, mais difícil que imaginar o que os espectadores querem é conciliar as aspirações de diferentes parcelas do público. No horário das 19h, ele aponta dois grupos principais: as donas-de-casa e os adolescentes. “As mães querem mensagens positivas, odeiam sexo e violência. O gosto dos filhos muitas vezes é o oposto”, avalia. A novela, aguardada com grande expectativa, mantém média de 30 pontos de audiência, quando a meta da Globo para o horário é 35. “A novela mal se instaurou, é diferente e está num horário em que as duas anteriores foram problemáticas”, defende o autor, lembrando a fracassada “As Filhas da Mãe”, de Sílvio de Abreu, e a conturbada “Desejos de Mulher”, de Euclydes Marinho.

Apresentador do “Eu Vi na Tevê”, da Rede TV!, João Kléber dá a receita de uma das maiores audiências da emissora, com picos de 10 pontos. “Não pode faltar polêmica”, ensina João, que acredita que as pessoas gostam de identificar o que vêem com sua realidade. Aproximar os personagens da realidade do público foi a principal providência de Carlos Lombardi ao assumir a colaboração em “Coração de Estudante”, de Emmanuel Jacobina. A novela, que não passava dos 28 pontos, alcançou e manteve os 33. “Ela estava desanimada. O que eu fiz foi investir na empatia dos personagens”, explica o autor, que faz questão de destacar que a trama era boa e não sofreu alterações estruturais.

Aposta na simplicidade

Pequenas mudanças nem sempre conseguem reverter o mau desempenho de uma atração. Mas, na opinião de Mauro Lissoni, diretor de programação do SBT, alternativas simples são eficazes. “Modificações no horário e na distribuição dos intervalos, alterações no conteúdo ou formato”, exemplifica. A importância do horário é reiterada por Carlos Lombardi. O autor atribui o mau desempenho da minissérie “O Quinto dos Infernos” aos atrasos na exibição. Para fazer frente ao fenômeno “Casa dos Artistas”, do SBT, a Globo esticava ao máximo o “Big Brother”, chegando a exibir a minissérie à 0:10 h, quando o horário normal seria 10:40 h.

Outro que exigiu providências da usual líder de audiência foi Ratinho. Há três anos, a imbatível liderança do apresentador nas noites de quinta-feira levou a Globo a lançar o “Linha Direta”, visivelmente distante dos padrões da emissora. Hoje, Ratinho detém diariamente o segundo lugar de audiência, com média de 15 pontos. “Há 20 anos, o Moacyr Franco me disse que o povo quer três coisas na tevê: emoção, indignação e dar risada. Até hoje me baseio nisso”, explica o apresentador, que garante ter se surpreendido com a repercussão inicial de seu programa. Já Domingos Meirelles, apresentador do “Linha Direta”, acredita que o programa, com média de 29 pontos, tenha conquistado um bom espaço. “Ele cumpre uma função social. Preenche uma lacuna do poder público”, defende.

Um espaço que parece definitivamente conquistado é o dos programas de auditório. Apesar da fórmula antiga e da repetição de atrações, são eles que protagonizam a guerra nos finais de semana. Nos dias úteis, “A Hora da Verdade”, de Márcia Goldschmidt, é a maior audiência entre os programas produzidos pela Band, com média de cinco pontos. No SBT, onde o “Domingo Legal” incomoda semanalmente o “Domingão do Faustão”, o formato é referência. “Podem passar décadas e surgir inúmeros gêneros, mas os programas de auditório sempre serão sucesso”, aposta Mauro Lissoni.

Mudança de rumos

Assim como Clara e Edu, de “Coração de Estudante”, separados por orientação de Carlos Lombardi, inúmeros são os personagens que têm seus destinos alterados, seja para criar uma isca, como no caso da recém-encerrada novela das seis, seja para agradar o público. O próprio Lombardi lembra que, em “Vira Lata”, de 1996, teve de minimizar a importância da protagonista e da antagonista da trama, interpretadas por Andréa Beltrão e Vanessa Lóes. “Elas não agradaram, nem para o amor e nem para o ódio”, justifica o autor.

Na contramão da maioria dos autores de novelas, Benedito Ruy Barbosa diz não se importar com a opinião do público sobre seus personagens. “Se tivesse de escrever o que o público espera, não seria autor. Seria datilógrafo”, esnoba. Em 1990, quando escrevia “Pantanal”, na extinta Manchete, Benedito chegou a recusar um pedido de Adolpho Bloch, que tentou convencê-lo a não matar José Leôncio, personagem de Cláudio Marzo. “Depois, ele me ligou chorando, emocionado com a morte do personagem”, assegura.

Entre erros e acertos

* Quando escrevia “Sol de Verão”, de 1983, Manoel Carlos pôs fim a um recém-iniciado romance entre os personagens de Tony Ramos e Carla Camuratti porque ouviu que os dois “não combinavam”.

* Expert da tevê brasileira, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, errou suas previsões a respeito de Ratinho. Ele disse que o apresentador não duraria seis meses.

* Incensado por Rogério Gallo, diretor artístico da Band, como uma das maiores conquistas da emissora, Gilberto Barros, o Leão, não tem conseguido sair do quarto lugar.

* Dias Gomes foi o primeiro e único autor a alcançar dois picos de 100 pontos em uma mesma novela -“Roque Santeiro”, de 1985.

* A colombiana “Betty, a Feia” está entre as maiores audiências da Rede TV!, com média de seis pontos.

* Em “Torre de Babel”, o drogado de família rica vivido por Marcello Antony foi rejeitado pelo público. Três anos depois, Mel, personagem de perfil semelhante vivida por Débora Falabella, em “O Clone”, tornou-se uma das mais queridas da novela.

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