Seres deste e do outro mundo

De tempos em tempos, as novelas brasileiras são assombradas por seres de outro mundo. Alguns deles, como vampiros e lobisomens, já são velhos conhecidos do público por causa dos filmes de terror. Outros, porém, são produtos do imaginário brasileiro. Como o João Gibão, de “Saramandaia”, que nasceu com asas, ou o Sérgio Cabeleira, de “Pedra Sobre Pedra”, que uivava e flutuava em direção à lua cheia. Tais criaturas servem para os mais diferentes propósitos: crítica social, denúncia política ou, simplesmente, humor catártico.

Este é o caso dos “sanguessugas” de “O Beijo do Vampiro”. Para Antônio Calmon, os chupadores de sangue da novela das sete da Globo não têm outra finalidade senão funcionar como “válvula de escape”. “A novela das sete é exibida entre dois telejornais: um fala das desgraças da cidade e outro, do país. Se a novela não oferecer um escapismo, ninguém agüenta…”, teoriza Calmon. Por isso mesmo, toda novela de Calmon tem sempre um pé no “sobrenatural”. Foi assim com os paranormais de “Olho no Olho”, os vampiros de “Vamp” e os seres alados de “Um Anjo Caiu do Céu”. Para Tarcísio Meira, os vampiros das sete podem funcionar também como uma eficiente metáfora em época de eleições. “O Bóris é inofensivo se comparado a outros vampiros. Muitos deles chupam o nosso sangue todos os dias e ninguém percebe”, brinca.

Antônio Calmon não é o único a “flertar” com o realismo fantástico. Dias Gomes praticamente inventou o gênero na tevê brasileira e Aguinaldo Silva seguiu a trilha. Aguinaldo, aliás, é o recordista em incursões pelo sobrenatural: a mulher de branco em “Tieta”, Sérgio Cabeleira em “Pedra Sobre Pedra”, o Perfumado em “O Outro” e o Cadeirudo em “A Indomada”. “A intimidade do brasileiro com o fantástico se reflete nas coisas mais simples. Como alguém que despeja umas gotas no chão antes de beber e diz que aquilo foi para o santo”, exemplifica o autor.

De todos os personagens de sua galeria de tipos fantásticos, Aguinaldo elege o Sérgio Cabeleira como o seu predileto. O personagem que delirava em noites de lua cheia é um dos favoritos também de Osmar Prado. Para o ator, o Sérgio Cabeleira cumpriu uma função social tão importante quanto o dependente químico Lobato de “O Clone”. “O Sérgio gritava, gritava e ninguém escutava nada. Todos eram coniventes. Tanto o Sérgio quanto o Lobato eram excluídos pela sociedade”, discursa.

Crítica

De fato, o “sobrenatural” pode exercer as mais diferentes finalidades. Para Dias Gomes, o realismo fantástico da novela “Saramandaia” era um instrumento de crítica política contra o regime militar. Para burlar os censores, que efetuavam cortes e mais cortes sem qualquer critério, ele recorreu a personagens aparentemente surreais. Como o Professor Aristóbulo, um lobisomem interpretado por Ary Fontoura, que vagava pelas noites e, há anos, não dormia, ou Dona Redonda, papel de Wilza Carla, que come até explodir. “É como se o Dias dissesse que tínhamos de estar sempre vigilantes. Não podíamos cochilar nunca”, observa Ary Fontoura.

Um ano antes de “Saramandaia”, Ivani Ribeiro escreveu a primeira novela a enveredar pelo território do sobrenatural: “A Viagem”. A autora se baseou na doutrina espírita de Allan Kardec para narrar a história de Alexandre, um mau-caráter que, mesmo depois de morto, continuou a atormentar a vida de seus pretensos algozes. “Quisemos mostrar que são muitos os caminhos que levam a Deus. Em nenhum momento, pretendemos condenar a religião de ninguém”, garante Solange Castro Neves, que colaborou no “remake” de “A Viagem”.

Fã-clube do terror

Personagens sobrenaturais são sempre motivo de repulsa e ojeriza. Certo? Errado. Ney Latorraca que abocanhava pescocinhos em “Vamp”, quando saía às ruas atestava o grande sucesso do personagem de Calmon. As crianças, garante Ney, eram as primeiras a elogiar o simpático vampirão. “Aquele Vlad foi um escândalo. Virou até álbum de figurinha. Onde já se viu isso?”, espanta-se Ney.

Por outro lado, há atores que quase se especializaram em tipos fantásticos. Cláudio Marzo é um deles. Só na extinta Manchete, ele interpretou espectros na novela “Pantanal” e na minissérie “O Fantasma da Ópera”. Por ironia do destino, Cláudio Marzo encarnou um fantasma também no teatro. Na peça “O Tiro que Mudou a História”, ele interpretou o espectro do ex-presidente Getúlio Vargas. “Acho normal chegar aos 50 anos e se especializar em fantasmas. Já fiz muitos galãs. Hoje, estou mais para fantasma do que para galã”, diverte-se.

Personagens fantasmagóricos

# Alguns fantasmas da tevê brasileira são até bem interessantes. Ana Paula Tabalipa e Mel Lisboa, por exemplo, viveram espectros bastante sensuais nos últimos capítulos de “Luna Caliente” e “Presença de Anita”.

# Na minissérie “Incidente em Antares”, adaptada por Charles Peixoto do livro de Érico Veríssimo, sete mortos são impedidos de ser enterrados por causa de uma greve. Revoltados, eles vão até a praça pública para protestar contra o descaso dos vivos.

# A Record não é muito inclinada a temas sobrenaturais. Ligada à Igreja Universal do Reino de Deus, a emissora só tocou no assunto uma vez: na minissérie “A Filha do Demônio”, de Ronaldo Ciambroni. A alma da personagem de Patrícia de Sabrit era vendida pelo pai ao Diabo.

# Até a autora Janete Clair se aventurou pelo universo sobrenatural. Em “Sétimo Sentido”, a personagem Luana Camará, interpretada por Regina Duarte, era paranormal.

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