Sem Carequinha, circo não será o mesmo

Foto: Arquivo/O Estado

A Prefeitura de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, decretou ponto facultativo ontem e luto de três dias pela morte do artista George Savalas, o palhaço Carequinha. Ele tinha 90 anos e teve morte súbita na madrugada de ontem, provavelmente em decorrência de problemas cardíacos. O corpo do artista foi velado no Centro Cultural Joaquim Lavoura, em São Gonçalo, e o enterro aconteceu no fim da tarde de ontem no Cemitério São Miguel.

Carequinha enfrentou sérios problemas de saúde, no fim do ano passado. Ele esteve internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no Hospital das Clínicas de São Gonçalo por 28 dias para se recuperar de uma pneumonia dupla. Este ano, passou por uma cirurgia para desobstrução da uretra. Ele se recuperou bem e já havia voltado a fazer shows. Foi grande ontem o movimento em frente à casa do artista na Praça Zé Garoto em São Gonçalo. Carequinha deixou cinco filhos, quatro netos e quatro bisnetos e sua mulher Eupidia, com quem estava casado há mais de 60 anos.

Apesar dos problemas de saúde, Carequinha continuava na ativa. Longe dos circos, fazia animação de festas infantis e nunca perdia o bom humor. ?Estou voltando para casa. Já moro perto do cemitério, quando eu morrer, vou a pé?, disse ao sair da clínica onde ficou internado no Rio de Janeiro, em 2005. ?O que eu faço não é trabalho, é brincadeira de criança. Acabo de gravar outro CD, está vendendo, vamos ver se eu recebo alguma coisa. Não vou para a TV, vou fazer shows, a TV acaba com tudo?. Em 2005, o palhaço chegou até a participar da segunda temporada da minissérie Hoje é dia de Maria, na TV Globo.

?O palhaço típico, é aquele que nasce com o dom, morre comigo?, disse Carequinha em entrevista ao O Estado de S.Paulo, em 2001.

História de vida

George Savallas nasceu em 1915, em Rio Bonito, no Grande Rio. Nasceu, de fato, no circo – sua mãe, a equilibrista Elisa Savallas, andava na corda bamba quando sentiu as primeiras dores do parto. Ela deixou o arame com dificuldade e, sob a lona do Circo Peruano, deu à luz o filho. Cinco anos mais tarde, o garotinho já encarnava, pela primeira vez, a figura que viria a ser o mais famoso palhaço brasileiro.

?Eu tinha cinco anos quando meu padrasto colocou uma careca na minha cabeça. ?Você vai ser palhaço?, ele disse. Depois dali não parei mais. Acho que não sou o melhor palhaço do Brasil. Mas sou o mais querido?, disse ele, em entrevista ao O Estado, em dezembro de 2001. Carequinha deu vida ao primeiro programa da primeira emissora de TV brasileira, o Circo Bombril, em 1951. O cenário era um picadeiro, com arquibancadas em volta. O ?respeitável público? era composto por crianças que moravam na vizinhança. Elas participavam de brincadeiras, mais tarde copiadas por Xuxa e Angélica. Foi nessa época que ele inventou o primeiro bordão: ?Tá certo ou não tá, garotada??. Muitos surgiriam depois – ?o bom menino não faz xixi na cama/o bom menino não faz malcriação?, ?ai ai ai carrapato não tem pai?, ?chegou a hora de apagar a velinha?.

Ele foi pioneiro também na técnica de criar o nariz vermelho que se popularizou como símbolo do palhaço, já na fase do Circo do Carequinha. Carequinha ouviu de um menino um conselho para usar chiclete no lugar da bola de plástico – ?chiclete cola tudo?, disse o garoto. Comprou oito Ping-pongs sabor hortelã e deu para crianças mascarem. ?Depois, é só lavar, moldar e pintar. Dura cinco meses?, explicou, na entrevista que deu ao O Estado.

Na ocasião, Carequinha disse que a figura principal do circo havia mudado. ?O palhaço tem hoje papel secundário, virou distração entre os números circenses?, afirmou. Mesmo assim, ele não desistia. Tanto que já preparava o neto Iago, ainda criança, para sucedê-lo. O menino se apresentou no ano passado vestido de palhaço Gabiroba, na festa que a Prefeitura de São Gonçalo preparou para celebrar os 90 anos do avô. Desde os 7 anos Carequinha morava em São Gonçalo, na Grande Rio. Ele foi enterrado maquiado de palhaço e vestido com o mesmo terno com o qual se apresentava no circo –
do jeito que desejava.

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