Romance de José Eduardo Agualusa revive a importância da rainha Ginga

Senhora de um reino poderoso na costa ocidental da África, Ana de Souza (1583-1663) sempre foi um personagem que fascinou o escritor angolano José Eduardo Agualusa. “Desde criança, ouço histórias sobre a forma como ela, já denominada Rainha Ginga, exerceu seu poder com inteligência”, conta o autor. “Mas não tinha coragem para um projeto tão difícil, que exigia uma sólida formação sobre o que se passou naqueles séculos 16 e 17, uma época muito remota.”

Até que, certa noite, quando trabalhava em um romance em estágio avançado, Agualusa sentiu uma irresistível vontade de se voltar àquela história que há tanto o fascinava. “Quando decidi que o narrador não seria a rainha, mas um religioso brasileiro, comecei a escrever e, em pouco tempo, o livro, que estava incubado, ficou pronto.” E com o título “A Rainha Ginga”, lançado agora pela editora Foz.

Nascida Nzinga Mbandi, Ginga tornou-se referência de como chefes africanos combateram a política de Portugal em capturar habitantes daquele continente para servirem como escravos na América. Hábil guerreira, carismática, ela foi também uma excelente estrategista política e militar (estabeleceu alianças diplomáticas com a Holanda) e, glória suprema, jamais foi capturada, mesmo passando a vida em combate.

“Apesar de Ginga ter vivido 80 anos, um feito para a época, não sobraram dados suficientes que me convencessem a elegê-la narradora do livro”, conta Agualusa. “Daí minha preferência por Francisco José da Santa Cruz, um homem atormentado, com a fé abalada e ainda dividido entre a lealdade a Portugal e a Ginga.”

Nascido em Olinda, o religioso viajou até o Reino do Congo, onde se tornou um dos secretários da rainha, posição que o obrigava a enfrentar uma dualidade: a obediência à soberana contra a rebeldia natural que cultivava por ser originário de um dos povos contra o qual ela guerreava.

Na luta contra o poderio português, que se estabelecia naquela região da atual Angola, Ginga quase triunfou. “Ela se aliou aos holandeses e, se tivesse triunfado, o mapa de África seria hoje bem diferente, assim como o mapa da lusofonia.”

Ginga também era uma mulher fascinante – agia como homem e exigia ser tratada como rei, vestindo-se com trajes masculinos nos campos de batalha. “Ela também tinha um harém de vários homens que Ginga tratava como mulheres, inclusive obrigando-os a se vestir como tal”, conta Agualusa, lembrando que o povo dongo, ao qual pertencia a soberana, não pregava a monogamia. O detalhe curiosamente não está em um filme recém realizado em Angola sobre a rainha. “Como se trata de um investimento oficial, o longa teve que ocultar isso por conta do machismo.”

Mais que uma biografia romanceada da rainha Ginga, o livro de Agualusa destaca um novo olhar sobre a historiografia: mostrar como os africanos foram parte ativa em ações no passado, ao contrário do que habitualmente é mostrado, e de uma forma bem mais vigorosa. “Os habitantes da África tiveram um importante papel no processo de construção de nações, de redesenhar o mapa do mundo e que inclui Brasil e Portugal.”

Ele observa ainda a importante participação de índios brasileiros ao lado de tropas holandesas no combate contra o poderio português na África. “E foi um negro de Angola, Henrique Dias, quem derrotou o exército da Holanda no Brasil, restabelecendo o domínio de Portugal. Ele ainda participou do resgate de Luanda, que caíra em mãos holandesas.”

Não é apenas Agualusa que promove esse processo de resgate da real importância africana na História – também o moçambicano Mia Couto escreve sobre um personagem decisivo, Gungunhana, cujo reino, no final do século 19, chegou a ter representantes diplomáticos de Portugal e Inglaterra. “Li os primeiros capítulos e tenho certeza que será o melhor romance do Mia”, acredita Agualusa. “Ele conseguiu se superar.”

Espetáculo

Inspirados em Ariano Suassuna, Agualusa e Mia vão apresentar, a partir de setembro, aulas-espetáculo sobre literatura, no Brasil. “O que Ariano fazia era sensacional, vamos tentar repetir a mesma fórmula”, conta Agualusa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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