Retrospectiva da obra traz Polanski ao Brasil

Roman Polanski está tendo uma agenda concorrida em São Paulo. O diretor (premiado com o Oscar) de “O Pianista” veio prestigiar a retrospectiva de sua obra, uma realização da Urszula Groska Produções, com patrocínio do Sesc e apoio da Embaixada da França, do Consulado-Geral da Polônia, da Fundação Santo André e da Magnesita, no CineSesc e no Sesc Santo André.

Polansky estava de excelente humor, riu muito, comeu um parreiral de uvas mas depois de 40 minutos de conversa admitiu que estava cansado e pediu ao repórter que o liberasse.

Ontem, por volta das 13 horas, encontrou-se com o ministro Gilberto Gil, da Cultura, no Sesc Pompéia, e recebeu das mãos dele uma placa do governo brasileiro por sua contribuição à arte do cinema. “O meu preferido de Polanski é ‘O Bebê de Rosemary’, porque tem um grau extraordinário de tensão e essa relação entre magia e realidade é um tema complicado, que ele realizou de um jeito interessante”, disse o ministro.

P – Você participou do Festival do Rio, em 2002, quando veio mostrar “O Pianista”. Antes disso, já visitara São Paulo e Rio para promover o lançamento de “Busca Frenética” e esteve aqui em 1965 e 72. O que representa o Brasil para você?

Roman Polanski – É um país que me atrai muito pela sensualidade e pela mistura de raças e religiões que está na origem da sociedade de vocês. Sei que o Brasil tem muitos problemas, mas para alguém como eu, que sobreviveu ao horror da guerra e do nazismo, creio que o Brasil oferece um exemplo de diversidade e tolerância e isso é muito bom. Devo acrescentar ainda que o Rio… é uma das cidades mais belas do mundo.

P – Você vai fazer agora uma adaptação de Oliver Twist, que será filmada em Praga. Por que Charles Dickens?

Polanski – Você já leu Dickens? É um escritor maravilhoso, que foi um dos prazeres da minha infância e adolescência. Depois da consagração de “O Pianista”, que me deu a Palma de Ouro e o Oscar, fiquei meio paralisado, sem saber direito o que fazer. E aí, pensando nos meus filhos e no garoto que fui, achei que seria interessante voltar a Dickens para restituir ao escritor alguma coisa que o cinema lhe retirou. Acho que voltar ao Dickens original será prestar um serviço ao escritor e ao público.

P – Isso quer dizer que você não gosta das adaptações que David Lean e Carol Reed – o segundo em formato de musical (“Oliver!”, premiado com o Oscar de 1968) – fizeram de Dickens.

Polanski – Pelo contrário, gosto dos dois filmes, mas pense comigo. Quando foi que David Lean fez a adaptação dele? Em 1948. O mundo mudou muito, o cinema também. Acho que estamos preparados para uma abordagem mais fiel e menos sentimental do universo desse grande escritor.

P – Você vai filmar em Praga, nos estúdios Barrandov…

Polanski – Basicamente, por uma questão de custo. Praga possui algumas locações que poderão ser usadas em externas, mas o importante é mesmo o estúdio, que me permitirá reconstruir a Londres do século 19 a um custo menor.

P – Na coletiva, ficou claro que há um grande fascínio das pessoas pelo mal que percorre sua obra. O Diabo de “O Bebê de Rosemary”, o pai incestuoso de “Chinatown”, o torturador de “A Morte e a Donzela”, o Holocausto em “O Pianista”. Esse fascínio que você tem pelo mal atiça mais as pessoas porque elas fazem associações com suas experiências pessoais…

Polanski – E eu já lhe disse há dois anos, quando conversamos no Rio, que não comento esses assuntos com jornalistas. Vocês são muito indiscretos, meu amigo. Mas, sim, é verdade que o mal é um material que me atrai muito. Não acredito no homem como intrinsecamente mau. Acho até que somos bons. Se a gente vir uma velhinha cair na rua, creio que todos ou, pelo menos, a maioria de nós lhe estenderá a mão.

P – Você é um autor que possui uma obra já consagrada. Você tem alguns filmes preferidos? Ou, pelo contrário, tem filmes dos quais não goste muito?

Polanski – Não gosto de “Repulsa ao Sexo”, nem de “Lua de Fel”, nem de “O Último Portal”. Acho que nesse último errei ao colocar Johnny Depp no papel principal. É um ator talentoso, mas deixou o personagem muito chapado. O filme precisava de mais ambivalência da parte dele para funcionar. Gosto muito de “Chinatown”, de “A Dança dos Vampiros” e, claro, de “O Pianista”. Acho que me preparei a vida inteira para fazer este filme.

P – A propósito disso, e talvez misturando um pouco com seus problemas com a Justiça americana, como você vê a hostilidade contra os EUA, no mundo, hoje?

Polanski – Não misturo meus problemas com a Justiça da Califórnia nem acho que exista uma hostilidade contra mim. Se você viu a cerimônia do Oscar, no ano passado, viu que eu recebi mesmo ausente, uma standing ovation (foi aplaudido de pé). Há muita gente que aprecia meu trabalho lá. E o que eu acho que existe hoje é menos um anti-americanismo do que um antibushismo. O sentimento anti-Bush, sim, é muito forte.

P – Na coletiva, foi muito comentado o seu senso de humor…

Polanski – E eu falei que o humor faz parte da natureza humana, mas é algo difícil de definir. Um psiquiatra austríaco, o Dr. Franck, tentando explicar a resistência dos judeus ao holocausto, a nossa sobrevivência, falou do humor como uma arma do homem contra o infortúnio. O humor tem muito aspecto. O homem ri da própria desgraça e da desgraça alheia.

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