Raymundo, o paraense que virou paranaense

Não refeito da tristeza pelo passamento de caro amigo, redijo este escrito de Matinhos, onde encontrava Raymundo Negrão Torres nas temporadas de repouso, para agradáveis tertúlias. É verdade que, normalmente, às terças-feiras, nas programações do Centro de Letras do Paraná, sua presença, como vice-presidente operoso, era uma constante.

Admirava-lhe a inteligência e a cultura, renomado escritor que era, com livros e crônicas que revelavam, pelo menos, duas virtudes inegáveis, autenticidade e fidelidade.

Era, inegavelmente, a pessoa que era, sem subterfúgios, veraz, espontâneo, incapaz de mascarar qualquer posicionamento.

Fiel aos princípios éticos, morais e patrióticos, defendia-os abertamente, sem receio de qualquer represália.

Seus últimos artigos guardo-os avidamente, a exemplo de De volta a Ialta, Erva daninha, Meu amigo Doutor Wilson, O naufrágio do PT, A volta de Pedro Caroço, Instituições em frangalhos, O regime fardado, Um novo samba do crioulo doido, Nordeste, Mortos e desaparecidos, O vôo da galinha, O trote no quartel, Por que pagamos pedágio?, O retorno do perfeito idiota latino-americano, Dívida externa, Vinhos da mesma pipa, O presidente bossa nova, Cleptocracia, Quosque tandem catilina, Brasil! Mostra tua cara!, Movimentos sociais e o último, publicado in memoriam, Pesquisa eleitoral.

Não posso e nem devo comentar tais escritos. Todavia, seja-me permitido reportar-me a um deles, justamente aquele em que Raymundo Negrão Torres homenageava dileto amigo e companheiro de farda, que cognominava ?o mais paranaense dos cariocas?, Wilson Bóia, cujo óbito, ocorrido em meado do ano passado, também causou consternação.

Na verdade, tão estreitos e leais eram os laços entre Bóia e Negrão, que este, no intróito do artigo, religioso que era, invoca o Eclesiástico (Quem encontra um amigo, encontra um tesouro), relembrando, com saudade e profundo reconhecimento, o ingresso na douta Academia Paranaense de Letras, conduzido pelas mãos generosas daquele.

Raymundo Negrão Torres, paraense de nascimento, radicou-se, definitivamente, em Curitiba, tornando-se, como confessava, ?paranaense de coração? e aqui encontrando o grande amor de sua vida, D. Clarice, com quem teve dois filhos, infelizmente um já falecido, afora três netos.

Deixou apreciada bibliografia, a saber: Meninos, eu também vi, Por que morreram os americanos no Vietnã?, Para Collor ler na cama, De Fernando a Fernando, As epístolas de um general de pijamas, Nos porões da ditadura, Paraná: encruzilhada de caminhos, 1964: uma revolução perdida, O fascínio dos anos de chumbo e Nos caminhos da história.

Sua última produção literária, As epístolas de um general de pijamas – segunda parte, será publicada exclusivamente para distribuição aos seus inúmeros amigos.

Disse bem o ilustrado presidente da Academia Paranaense de Letras, historiador Túlio Vargas, ao sepultamento: ?Ele foi um interlocutor sensível e atento, que fez da literatura uma nova forma de servir à pátria?.

E, Lauro Grein Filho, também renomado escritor e presidente do vetusto Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, em recente crônica, proclamou: ?Como suportar a ausência do teu trabalho, dos teus conceitos, da tua classe, da tua imagem, da tua dignidade e das tuas virtudes?, reconhecendo que, ?o Instituto perde, com tua infausta despedida, um baluarte de inconfundíveis predicados na veneração a Deus, honra à pátria e amor à família?.

O Centro de Letras do Paraná, que era também uma paixão de sua vida, sente-se entristecido. Homenageando-o, neste momento, reverencio a sua memória, certo de que, no Paraíso Celestial, o distinguido confrade e caríssimo amigo desfruta da Paz do Senhor!

Luís Renato Pedroso é desembargador jubilado, presidente do Centro de Letras do Paraná e vice-presidente do Movimento Pró-Paraná.

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