Pardo? Não. Ou negro ou branco

O racismo à brasileira, conforme DaMatta (2000, p. 82), possibilita conciliar diversos impulsos contraditórios que condensam a tese do ?branqueamento? como algo a ser buscado. ?O branco está sempre unido em cima, enquanto que o negro e o índio formam as duas pernas da nossa sociedade, estando sempre em baixo e sendo sistematicamente abrangidos pelo branco.?  Admitem-se graduações e nuanças. A raça ou a cor da pele e do corpo não são elementos exclusivos de mudança da classificação pelas características físicas. Através do dinheiro e do poder político aceita-se classificar o negro como mulato ou como branco como se o peso do poder econômico pudesse apagar o outro fator.

Reinaldo da Silva Soares, antropólogo formado pelo departamento de Antropologia Social da FFLCH- Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP – Universidade de São Paulo, realizou pesquisa de doutorado com o tema Negros de classe média em São Paulo: estilo de vida e identidade negra. Em entrevista para este artigo ele faz uma articulação entre a realidade de seu estudo e as colocações de DaMatta.

Z – O termo pardo era aceito pelos entrevistados?

R – Nenhum dos meus entrevistados, mesmo aqueles com um tom de pele mais claro, aceitavam ser chamados pardos. Para eles, esse era um termo altamente pejorativo. Acho que essa deve ser uma característica dos negros que estão mobilizados em associações que trabalham, de alguma forma, com a questão da identidade negra. Na minha pesquisa de mestrado, realizada com integrantes da escola de samba Vai-Vai, que concentra uma grande quantidade de negros, o termo pardo também é amplamente rejeitado, as pessoas se autodefiniam como negras ou brancas.

Z – O senhor acha que a atitude dos negros da classe média, de não aceitarem ser denominados pardos, contribui para romper com o racismo à brasileira no sentido dado por DaMatta?

R – Acho que essa afirmação de uma identidade negra rompe com a idéia, muito generalizada na sociedade, de que o dinheiro embranquece. Os negros de classe média, mesmo tendo um padrão de vida muito diferenciado da maioria dos outros negros, e de muitos brancos, têm orgulho de ser negros, apesar de todo preconceito disseminado na sociedade. No senso comum, costuma-se afirmar que o negro que consegue ?melhorar de vida? logo passa a se identificar como moreno ou pardo e se afasta dos outros negros, minha tese demonstrou o contrário.

Z – A afirmação da negritude rompe com a idéia de que o Brasil é um país mestiço?

R – Sim. Esse mito do país mestiço existe apenas no plano das idéias. A polícia, a Justiça, os comerciantes, os professores, todos sabem muito bem a diferença entre um negro, um branco e um mestiço e isso traz conseqüências perversas para os negros, no cotidiano, como todos nós sabemos. Dessa forma, os negros de classe média radicalizam no sentido inverso ao do mito da mestiçagem já que propõem um sistema de classificação bipolar, semelhante ao norte-americano, onde o que importa é a origem: se for filho de negro com branco, independentemente da sua aparência, deve ser considerado negro.

Z – O que pretendem as associações negras?

R – Sua existência ganha sentido à medida que seu objetivo primordial é fazer com que o negro seja tratado de forma igualitária ou, como diria Florestan Fernandes, ?para afirmar-se socialmente como gente?.

Z – Quais foram as conclusões mais importantes da pesquisa?

R – Os negros de classe média assumem a identidade negra. Além disso, a maioria dos entrevistados se autoclassificou como classe média, ao contrário das outras pesquisas com negros de classe média de outros estados (RS e Bahia) que se classificavam como sendo da classe trabalhadora. Essa identidade de classe é uma demonstração de que o projeto familiar foi concluído. Na família de origem dos entrevistados houve um esforço coletivo para que os filhos estudassem e conseguissem ocupar cargos não manuais.

Z – Então a pesquisa nega um dos aspectos da fábula da democracia racial que aponta os negros em ascensão como prova irrecusável da ausência de preconceito racial no Brasil?

R – A pesquisa revelou que os negros de classe média paulistanos foram, e ainda são, discriminados por causa da cor. Discriminação que aparece em todos os setores da sociedade, mas que é percebida com mais intensidade no trabalho, não só na seleção, como na hora da disputa por uma promoção.

Zélia Maria Bonamigo é jornalista, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social pela UFPR, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.

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