“Outras Leituras” leva Graciliano Ramos ao Teatro da Caixa

Na sua edição de outubro, que acontece nesta quarta-feira, dia 3, o projeto "Outras Leituras", leva ao palco do Teatro da Caixa dois contos de Graciliano Ramos: "A testemunha" e "Dois dedos", ambos do livro "Insônia". Os dois contos serão interpretados pelos atores Mário Schoemberger e Márcio Mattana.

O escritor alagoano Graciliano Ramos possui uma obra muito bem equilibrada entre os gêneros literários romance, conto e autobiografia. Em seu caso, a funcionalidade de relato e testemunho do texto autobiográfico não o desautoriza diante do romance e do conto, os gêneros de excelência da prosa artística. Vale citar Memórias do Cárcere, autobiografia que é um clássico da literatura brasileira.

Os contos de "Insônia" foram publicados primeiramente em 1946, sob o título "Histórias Incompletas". Esta coletânea passou a se chamar "Insônia" em 1947, numa republicação. Essa informação lança luz sobre um aspecto muito importante da obra de Graciliano Ramos. Seu poder de síntese o leva a captar o mínimo necessário que se deve contar de uma história. À primeira leitura, os contos "A testemunha" e "Dois dedos" talvez pareçam mesmo histórias incompletas, mas nunca inacabadas, quanto à unidade e artesania da composição. Textualmente elas não têm um fim conclusivo, mas sugestões, fins possíveis. Histórias que propositalmente buscam uma associação sugestiva entre as imagens propostas, os recursos textuais não retóricos e as figuras de linguagem.

Em Graciliano, a narrativa em primeira pessoa serve à investigação psicológica, como no romance "Angústia". A narrativa em terceira pessoa permite um distanciamento do olhar sobre a realidade social, desde o sertanejo nordestino (como em "Vidas Secas"), até o mundo classe média da Maceió da década de 30, em "Angústia". Sob esta mirada, uma linha mestra perpassa todas as obras: um estilo seco, duro, uma ausência de sentimentalismo.

 "A testemunha"

 Em "A testemunha", Gouveia é um jornalista, de trinta anos, que foi chamado para depor sobre um crime que não testemunhou, e que o leitor não chega a saber qual foi. No depoimento, Gouveia pouco diz. Com uma palavra, ele responde a uma pergunta que mal ouviu e, assim, dá um fim ao julgamento, ao qual o leitor também não tem acesso. Sabe-se o mínimo sobre os envolvidos, que estão presentes: um homem gordo, um negro beiçudo. Há a sugestão de um acordo entre o Gouveia e aqueles advogados, de que ele diria a coisa certa – mas não se sabe se são de defesa ou acusação. O conto também é uma alegoria da relação entre o jornalismo e o testemunho que busca uma noção verdade.

A resposta fica com o leitor, se ele quiser. Mas o que vale ao fim da leitura é a sensação de suspensão, de que aquela história não chega propriamente ao fim. É necessário relê-la, não para ir à busca de respostas para o enredo, mas sim de sugestões que possam alterar e renovar a recepção da leitura, com novas percepções de imagens e palavras. E para sentir novamente a sensação de suspensão, onde nenhuma resposta vale por todas as outras. É por isso que Graciliano é um clássico da literatura brasileira: sua leitura dura a vida inteira.

Serviço:

"Outras Leituras", leituras dramáticas. Teatro da Caixa, dia 3 de outubro, quarta-feira, às 20 horas. Ingresso: um livro não-didático. O Teatro da Caixa fica na rua Conselheiro Laurindo, 280. Informações pelo fone 2118-5233. Lotação do teatro: 123 lugares.

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