O homem que sabe tudo de gibis

Álvaro de Moya é louco por gibis e um obstinado cultor da arte quadrinizada. Oficialmente, é jornalista, professor de comunicações da USP, escritor, conferencista, diretor e produtor de televisão e cinema. Mas o quadrinho é o seu mundo. Foi um dos organizadores da Primeira Exposição Internacional de Quadrinhos realizada no Brasil, em São Paulo, em 1951, e chefiou praticamente todas as delegações brasileiras nos congressos de comics na Itália, desde 1966. Além disso, foi o pioneiro no estudo dos quadrinhos entre nós, como manifestação de cultura popular, tendo coordenado a edição e escrito, juntamente com outros dez aficcionados de renome, o primeiro livro sobre o tema publicado no país: Shazam! (Editora Perspectiva, São Paulo, 1970).

De lá para cá, Álvaro de Moya manteve-se sempre ocupado com os gibis. Produziu centenas de artigos para publicações nacionais e estrangeiras, proferiu outro tanto de palestras em universidades daqui e lá de fora, participou de eventos, é consultor da World Encyclopedia of Comics and World Encyclopedia of Cartoons e escreveu alguns dos mais importantes livros sobre histórias-em-quadrinhos, referências obrigatórias para os quadrinhólogos nativos e nas escolas de comunicação social: História da História em Quadrinhos (já na 2.ª edição, revisada e ampliada, pela Editora Brasiliense, São Paulo, 1993), O Mundo de Disney (Geração Editorial, São Paulo, 1996), Anos 50/50 Anos (Editora Opera Graphica, São Paulo, 2001) e Literatura em Quadrinhos no Brasil (Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2002).

Pois agora o incansável Álvaro de Moya está de volta com nova obra de fôlego e qualidade. Sob a chancela da Clemente & Gramani Editora (São Paulo, 2003), ele acaba de lançar Vapt-Vupt, um álbum de luxo, bilíngüe (português/inglês), em papel couché de alta gramatura, fartamente ilustrado e com esmerado acabamento gráfico. São 182 páginas de valioso conteúdo e extremado bom gosto, para fanático algum botar defeito. Na verdade, trata-se de uma coletânea de textos escritos pelo autor para a Revista Abigraf, da Associação Brasileira da Indústria Gráfica, de novembro/dezembro de 1991 a julho/agosto de 1998.

100 anos de gibis

Pelas mãos de de Moya, o leitor é levado a um passeio pela história dos quadrinhos, desde os primórdios, representados por “Esses Incríveis e Hilariantes Personagens Cômicos”, “Alex Raymond – O Desenhista que Antecipou o Futuro”, “O Tico-Tico, Marco de Nossas Publicações Infantis” e “A Alma do Rio Antigo nas Caricaturas de J. Carlos”, até a atualidade de “Neil Gaiman – Mestre dos Sonhos”, de “O Universo Mítico e Delirante de Moebius” e dos “Mangás, a Arte Que Vem do Sol Nascente”, passando, é claro, por Will Eisner, Milton Caniff, Burne Hogarth, Hal Foster, Jules Feiffer, Hugo Pratt, Flash Gordon, Spirit, Tarzan, O Fantasma, Mandrake, Super-Homem, Batman, Gato Felix, Pato Donald, Tintin, Recruta Zero, Mafalda, Asterix, Tex, Ken Parker, etc.

O resultado entusiasmou o próprio autor:

– Nesses anos todos, as matérias saíram lindíssimas, graças ao talento do diretor de arte Cesar Mangiacavalli. O papel couché utilizado é de primeira. Nunca vi comics com tamanha qualidade. A Revista Abigraf, editada pela Clemente e Gramani Editora, é um cartão postal internacional da alta qualidade gráfica brasileira.

Beleza onírica

O livro contou ainda com a produção da dupla Carlos Mann e Franco de Rosa, da Opera Graphica Editora, e a diagramação de André Hernandez, sendo impresso pela Copy Service Indústria Gráfica, de São Paulo.

– Graças a todos eles – arremata de Moya, com justificado exagero -, temos agora a oportunidade de colocar nas livrarias, nas bibliotecas, nas escolas e nas estantes dos quadrinhos, esta contribuição vistosa para que o mundo se renda à beleza profunda e onírica dos quadrinhos, que povoam a mente e os corações, e o subconsciente de todas as crianças crescidas deste e de outros planetas.

Amigo do mestre

Além de autêntica enciclopédia viva dos gibis, Álvaro de Moya tem uma vantagem sobre todos nós, os demais apaixonados por quadrinhos: é amigo pessoal de Will Eisner, o criador de The Spirit e o maior gênio vivo dos comics norte-americanos.

Foi apresentado a Eisner em 1958, em Nova York, por André Le Blanc, que era, então, assistente do mestre. Will entusiasmou-se com o jovem brasileiro desde logo. Tanto que confessaria, algum tempo depois, que “foi através dele que percebi o fato de que a essência das minhas histórias, minha visão sobre a condição humana, era aparentemente compreendida na íntegra e podia transcender a barreira lingüística”.

Will Eisner, que prefaciou História da História em Quadrinhos e assinou o prólogo de Anos 50/50 Anos, sempre se confessou um admirador da contribuição de Álvaro de Moya para o mundo os quadrinhos. Assim é que, ao receber a edição de 50 Anos, fez questão de cumprimentar o autor com a seguinte mensagem:

“Os quadrinhos, a narrativa visual, com o emprego de arte seqüencial e texto, estão afinal no limiar de chegarem ao lugar merecido na cultura ocidental. Este livro, sob sua autoria, que é a de um reconhecido historiador, muito fará para acelerar esse processo”.

As mesmas palavras do mestre Eisner aplicam-se também, por certo, ao recém lançado Vapt-Vupt, que poderá ser encontrado nas melhores livrarias da cidade ou encomendado na Itiban Comic Shop, do Francisco e da Mitie (Rua Silva Jardim, 845, tel. (41) 232-5367, Curitiba).

Um pouco mais de Álvaro de Moya

“Eu ainda nem sabia ler e meu irmão mais velho comprava o Suplemento Juvenil e aqueles álbuns grandes de histórias em quadrinhos. Enquanto ele ia à escola, eu entrava escondido no seu quarto e ficava só vendo aquelas histórias incríveis! Gostava principalmente do Flash Gordon de Alex Raymond. Fiquei vidrado naquilo e decidi ser desenhista. Inicialmente, eu copiava os desenhos de Raymond. Depois, fui apresentado ao João Gitahy, um cara que desenhava qualquer coisa, um monstro. Ele me ensinou a passar tinta nas artes”.

Como desenhista, Álvaro de Moya fez Zumbi, colaborou com a versão de Macbeth de Shakespeare e quadrinizou A Marcha, de Afonso Schimidt. Em 1952, tornou-se desenhista-fantasma de Walt Disney.

Em 1958, foi para os Estados Unidos, onde trabalhou na CBS-TV. No Brasil, atuou no Canal 5 de São Paulo, dirigiu a TV Excelsior e inaugurou a TV Bandeirantes.

Com Jayme Cortez, Miguel Penteado, Reinaldo de Oliveira e Syllas Roberg, organizou a 1.ª Exposição Internacional de Quadrinhos no Brasil (1951).

Participou de congressos de quadrinhos em Nova York, Buenos Aires e Paris e foi membro do júri internacional do Congresso de Lucca, na Itália.

Com a colaboração de especialistas publicou o primeiro (e melhor) livro sobre quadrinhos no Brasil: Shazam!, leitura obrigatória para os quadrinhólogos.

Como jornalista, atua regularmente no Jornal da Tarde, de São Paulo. É também professor da Escola de Comunicação e Arte da USP, desde 1970.

Mas, sobretudo, Álvaro de Moya é um apaixonado pelos quadrinhos.

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