O filme que conta a vida, os amores e os parceiros de Noel Rosa

A trajetória de Noel Rosa, um dos maiores compositores da história da música popular brasileira, que trocou a faculdade de medicina pelo samba e pela boemia carioca, na década de 20, tornando-se ídolo do rádio, aos 19 anos, com o enorme sucesso alcançado com a canção Com que roupa, poderá ser vista no cinema a partir desta sexta-feira, quando Noel, o poeta da vila estréia nacionalmente.

O filme acompanha não apenas a carreira musical de Noel, como também a sua vida afetiva que, até morrer prematuramente aos 26 anos, de tuberculose, se dividiu entre dois grandes amores: Lindaura, uma jovem operária com quem se casou, e Ceci, a dançarina de cabaré e paixão da sua vida, a qual ele prometeu compor ?o mais lindo samba?, e cumpriu, mais tarde, quando Ceci o abandonou. Ceci é interpretada por Camila Pitanga que, por coincidência, acabou de viver a prostituta Bebel, na novela Paraíso tropical, seu personagem de maior sucesso até agora. ?A Camila eu descobri ainda menina, com uns 15 anos, fazendo teste para uma publicidade.

Achei ela perfeita para encarnar a Ceci, com aquela fragilidade e pureza raras. Mas demorou tanto tempo pra arrumar o dinheiro que ela virou aquele mulherão, acabei tendo que adaptar a história para continuar com ela no papel da amante, papel que aliás ela sempre preferiu?, conta o diretor do longa, Ricardo van Steen.

Noel Rosa é interpretado por Rafael Raposo, um ator de talento mas não muito conhecido do grande público. ?Quando vi o Rafael fazendo os exercícios, me dei conta que o público, assim como eu, acreditaria muito mais no personagem se ele fosse interpretado por um ator desconhecido. O Rafael não era novato, muito pelo contrario. Tinha já uma carreira respeitável no teatro, e impressionou muito o Chris Duurvoort, meu preparador de elenco, com a intensidade dramática que conseguiu atingir a partir no nada, das paredes brancas do estúdio?, lembra Ricardo. Rafael teve de emagrecer 14 quilos e usar prótese no queixo para afundar a mandíbula.

Noel, o poeta da vila, foi desenvolvido ao longo de 12 anos e surgiu da paixão e admiração de Ricardo pela vida e obra do poeta. ?Como não fiz escola de cinema, 12 anos até que foram poucos para me formar no meio. Primeiro tive que arrumar parceiros, escrever um roteiro e aprender como conseguir autorização para colocar meu projeto no mercado para captar recursos. Comecei por um curta de vinte minutos, para me familiarizar com a mídia, o que já me tomou praticamente dois anos. A captação só aconteceu entre 2000 e 2004, demorei muito pra aprender a falar a língua dos editais, colocar as produtoras Moviart e Zohar, que tinham muita reputação e experiência na área publicitária, em condições de operar no mercado de cinema. Esse tempo foi fundamental, pude passar vários anos encontrando a melhor maneira de enxugar as 900 maravilhosas páginas da biografia em 50, 60 momentos emblemáticos?, explica. ?As filmagens foram o período mais curto, seis semanas de preparação e mais seis filmando de fato. Depois ainda tivemos que voltar ao mercado para conseguir dinheiro pra montar e finalizar, o que nos empurrou até 2006 trabalhando.?

Ricardo van Steen fala do preconceito que sofreu por ser paulista e querer contar a história
de um legítimo carioca.

Este ano, o filme ganhou o prêmio de  Melhor Filme, no Festival de Tiradentes e três prêmios no Festival de Miami (Melhor Direção de arte, Melhor edição de Som e o Prêmio Tam, de melhor imagem do Brasil no Exterior). Ricardo van Steen é paulista, nascido em 1958, e teve um percurso diversificado antes de chegar ao cinema, sua verdadeira paixão.

Ele fez artes plásticas, comunicação visual, cenografia, direção de arte e foi diretor de comerciais. Sua formação cinematográfica foi precoce, entre 1967 e 1969, quando sua mãe, a escritora Edla van Steen, era diretora da Cinemateca de São Paulo. Ricardo via e revia quase uma centenas de filmes, diariamente, ao voltar da escola. A idéia de contar a vida de Noel Rosa veio desse tempo. ?Sempre quis filmar histórias de artistas, uma forma de me aproximar da criatividade deles. E Noel foi um cara muito especial, que além de muito engraçado e criativo, teve a simplicidade de aceitar as diferenças e convidar músicos negros para compor, tocar e cantar.

Dessa mistura improvável até aqueles dias do início do século XX, nasceu o samba como o conhecemos hoje?, conta Ricardo, que também lembra do lado inconseqüente de Noel Rosa. ?Noel também era meio exagerado nas suas diversões e bebedeiras, gostava mesmo de enfiar o pé na jaca. Esse hábito permitiu que ele fizesse um número inacreditável de parcerias, de onde saíram mais de 250 sambas que iriam influenciar  gerações.

A falta de cuidados também facilitaria a contaminação por uma doença incurável naqueles tempos, a tuberculose, abreviando sua existência a mínimos 26 anos?. O filme foi baseado no livro Noel, uma biografia, de João Máximo e Carlos Didier.

Noel de Medeiros Rosa (1910-1937) deixou um legado de mais de 250 composições, que o colocaram como um dos gênios musicais do País.

O filme conta a sua vida no Rio de Janeiro, em 1929, quando era um rapaz magricela, irreverente, feio e com um defeito no queixo. Largou a faculdade de medicina, o que quase matou seu pai de desgosto, para compor sambas.

Apesar de branco e de classe média, Noel preferia a amizade de negros favelados, operários e mulheres de vida fácil. Ricardo van Steen compara um pouco o preconceito que Noel sofreu, no início, dos sambistas do morro da Mangueira e Vila Isabel, com a que ele sofreu por ser paulista e querer escrever sobre a vida de um legítimo carioca. ?Só superei quando percebi que eu era apenas uma reincidência, afinal o Noel passou pelo mesmo rito de aceitação quase um século antes e se deu muito bem.

Assim como fez com ele, a classe sambista me recebeu de braços abertos, me dando todas as dicas que puderam pra melhorar meu roteiro, pra criar as situações mais verossímeis de criatividade e de poesia. O contrario do que fez o mercado cinematográfico, que a princípio me julgou inabilitado para desempenhar a função por ser inexperiente, branco, paulista e burguês. Por sorte, minha reputação na publicidade era bastante sólida, o que ajudou a contrabalançar com a desconfiança do mercado?, conta Ricardo, que diz ser apaixonado por samba, rock e funk. ?Danço desde os doze anos, aprendi com minha irmã Lea, que é exímia dançarina. Sei que não conheço todos os passos e os trejeitos do samba perfeito, mas me divirto muito desde sempre nos salões de dança. Sou chegado também num samba rock e no funk, mais que nos ritmos eletrônicos. Mas se tiver que passar a noite na balada vou com gosto?. Noel, o poeta da vila, o primeiro loga-metragem de Ricardo van Steen, promete surpreender.

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