O Dia das Mães, Barreto Coutinho, a trova mais bela da Língua & outras, de minha lavra

d61.jpgContemporaneamente, se se perguntar a alguém minimamente conhecedor do trovismo, ou seja, da arte de fazer trovas, qual a mais bela trova da Língua Portuguesa, a resposta será praticamente unânime. Com uma ou outra exceção de praxe (já que toda a unanimidade é burra, como dizia Nelson Rodrigues), todos dirão ou declamarão a famosa quadra:

Eu vi minha mãe rezando

aos pés da Virgem Maria.

Era uma santa escutando

o que outra santa dizia.

Mas, se a visão axiológica ou, para usar um termo mais simples, valorativa, é quase indiscutível (e isso ocorre há três ou quatro décadas), outro tanto não acontece com o problema da autoria da retromencionada trova.

Durante muitos anos, foi discutida a paternidade da mesma. Contestações, polêmicas, controvérsias, sem conta e sem remédio, se sucederam. Afinal, atingiu-se uma espécie de consenso: o autor seria mesmo o trovador e médico pernambucano Ermírio Barreto Coutinho da Silveira (1887?1976), que durante muitos anos residiu em Curitiba.

Trata-se, sem dúvida, de um belo minipoema, pois de poesia autêntica se trata, ao contrário de inúmeras trovas que não passam de prosa rimada e metrificada, que não alcança o status daquela ?poiesis? de que falou Simônides, antes do excelso Homero. A verdade é que, autor de um único livro, Florações de outono (1968), Barreto Coutinho, de certa forma, se consagrou com a trova singularíssima, na sua arquitetura fono-morfo-sintática e semântica. Mas, sobretudo, estética.

 Inspirado no tema nuclear que motivou a trova emblemática, eu próprio, poeta crônico e trovador bissexto (pois só, ocasionalmente, ?trovejo?, embora sem produzir raios, espero…), escrevi nas últimas décadas cerca de quatro dezenas de quadras. Delas, reproduzo em seguida uma escassa dezena, por ordem alfabética:

Bendita, bendita seja

a mãe, santa sem altar.

Por isso, em qualquer igreja

a gente a pode adorar.

***

É como um vitral de igreja,

de minha mãe o olhar.

Por mais baixo que ele esteja,

parece no céu brilhar.

***

Farto de minhas quimeras,

quando a saudade em mim dói,

eu sinto, mãe, que tu eras

um sonho bom que se foi.

***

Neste dia em que te invoco,

mãe, invade-me a certeza

de que um dia só é pouco

para louvar-te a grandeza.

***

Quando em criança eu brincava

e minha mãe me sorria,

tanto o seu olhar brilhava

que mesmo à noite era dia.

***

Perto, sóis, ao longe, estrelas,

as mães não nos deixam sós.

Se vivas, moramos nelas;

se mortas, vivem em nós.

***

Quando a saudade sufoca,

eu rezo, mãe, como sei:

Deus te dê rosas em troca

dos espinhos que te dei.

***

Quando eu murmuro a palavra

mãe, que é da Língua a mais bela,

sobre a minha língua lavra

toda a doçura que há nela.

***

Um par luminoso arde

no céu, perpétua fogueira:

Esposa, estrela da tarde,

Mãe, astro da vida inteira.

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