O descobrimento do Brasil

Estamos no mês em que se recorda o descobrimento oficial do Brasil, ou o achamento, como dizem os portugueses. É um momento para aproveitar e escrever sobre o assunto, tanto para comemorar quanto levantar e debater questões duvidosas que constam nos livros escolares. Foi há 50 anos, em gostosas aula do meu professor de História, Dr. Schibel, que fiquei sabendo da verdade, tão escondida agora como foi no século XV. Em resumo, quando Cabral aportou aqui, já veio para tomar posse da terra, que até constava de mapas bem anteriores. Dois anos antes, em novembro ou dezembro de 1498, esteve aqui outro português, o Duarte Pacheco Pereira, que só não anunciou o fato porque mesmo antes de ser descoberta, a terra pertencia à inimiga Espanha, por deferência do papa Alexandre VI, que assinou, em 1493, o Tratado Intercoetera, transferindo para a Espanha o Novo Mundo, então já descoberto por Colombo em 1492. Para Portugal restou só um trechinho de oceano vazio. O navegador genovês, no entanto, havia “assoprado” para o rei D. João, que o recebeu em Lisboa numa “escala técnica” quando voltava à Espanha, sobre as terras que descobriu. O português bateu o pé e disse que a guerra com a Espanha estava decretada, se o papa não voltasse atrás. Depois de muita conversa e ameaças, foi assinado, em 1494, o famoso Tratado de Tordesilhas. Assim, as terras a serem encontradas até 370 léguas do arquipélago de Cabo Verde ficariam para Portugal. A partir daí, seriam da Espanha. O próprio Pacheco, que era tão bom marinheiro quanto diplomata, foi encarregado de ir ao chefe da Igreja Católica, e modificou as peças do tratado, abrindo caminho para que Cabral, um ilustre e aguerrido militar nascido em Belmonte fosse mandado para descobrir este maravilhoso e tão judiado País.

Antecedentes

Antes de Cabral, estiveram aqui outros povos, mas poucos deixaram marcas: os fenícios, há 3 mil anos; os celtas, mil anos; os franceses, bretões, irlandeses, até povos das costas do Pacífico. Estes, Incas e Maias, vinham a pé, escalando montanhas e atravessando rios, e utilizando as lhamas como cargueiros, em busca de produtos do Atlântico (conchas, caramujos) que usavam como objetos preciosos de troca entre eles, já que ouro tinham de sobra. Um dos caminhos cruzava o Paraná, na altura de Peabiru, segundo série de reportagens do jornalista Samuel Guimarães Costa, o “Samuca”, publicadas tempos atrás pela revista Panorama. Ele também foi redator de O Estado do Paraná. Cabe destacar que tudo que está neste artigo tem base em estudos em livros e muitas publicações antigas, como “Os Lusíadas”, de Camões, “Esmeraldo de Situs Orbus”, do próprio Duarte Pacheco, “A Construção do Brasil”, do historiador português Jorge Couto, professor da Universidade de Lisboa, este mais recente, entre outros.

O financiamento

Para se chegar a Cabral, é necessário voltar no tempo, mais precisamente no ano de 1318, quando foi criada pelo Papa João XXII a Ordem de Cristo, por pressão do rei português Dom Dinis, o Trovador. Era uma instituição religiosa que sucedeu à Ordem dos Templários, poderosa organizadora das Cruzadas, extinta em 1307 pelo rei da França, Filipe, o Belo. Além do confisco da fortuna da Ordem na Europa, ainda mandou prender, torturar e matar os expoentes. Sobraram alguns em Portugal, onde fundaram a Ordem de Cristo, irmandade que também ficou abarrotada de riquezas, vindo a ser a financiadora das expedições marítimas das descobertas. O que faziam tinha outro motivo ainda, o de quebrar o monopólio dos muçulmanos, dos venezianos e genovêses que dominavam o comércio de ouro, marfim e escravos na África e das especiarias das Índias. Destacou-se na Ordem de Cristo o infante Dom Henrique, o Navegador, filho de Dom João I, organizador das forças para a luta contra os piratas árabes ou mouros que atacavam cidades portuguesas e espanholas partindo dos seus domínios no estreito de Gibraltar e Ceuta, hoje Marrocos. Aberto o estreito caminho que liga o Mediterrâneo ao Atlântico, os navios puderam se aventurar para o desconhecido.

O ciclo das aventuras

Em 1421, descobriram-se os arquipélagos dos Açores e da Madeira; em 1434, Gil Eanes contornou o cabo do Bojador, na África; em 1435, já era possível a viagem do Bojador a Serra Leoa; em 1461 ocorreram os descobrimentos das ilhas de Cabo Verde, do Rio Senegal, e de Gâmbia; em 1470 foi a vez da exploração da costa africana desde Serra Leoa até o Cabo de Santa Catarina; em 1482, Diogo Cão descobriu o Rio Zaire; em 1488, Bartolomeu Dias ultrapassou o Cabo das Tormentas, chamado depois de Cabo da Boa Esperança pelo Rei D. João II. Tudo isto visou o caminho para as Índias. O desenvolvimento da indústria naval portuguesa não tinha concorrentes no mundo. Suas naus e caravelas navegavam a favor ou contra o vento, utilizando velas especiais. Os “Carpinteiros da Ribeira” não tinham rivais na construção dos barcos. Todos os avanços eram considerados segredos de Estado, e bem assim os ensinamentos na Escola de Sagres, que não era propriamente escola, mas a Terça Naval, que formava navegadores, pilotos, geógrafos, astrólogos (os astrônomos da época), e matemáticos. Paralelamente, surgiram o astrolábio, que media a altura do sol e das estrelas; o quadrante e o anel náutico, bem como o instrumento das sombras, uma espécie de relógio solar. Os barcos tinham em média 25 metros de comprimento, 120 toneladas de peso e uma tripulação de 50 homens. Não havia cozinha em vista do perigo de incêndio e falta de espaço para a lenha. Os marinheiros dormiam ao relento, no convés, e faziam suas necessidades em baldes. As refeições eram frias, de carne de porco e peixe defumadas, e bolachas. As doenças eram comuns, mas a pior era o escorbuto, que inchava as gengivas a ponto de saírem da boca, pela falta de vitaminas de vegetais.

Duarte Pacheco Pereira

Foi o verdadeiro descobridor do Brasil, um ano e meio antes de Cabral, em novembro ou dezembro de 1498, de acordo com a grande maioria das publicações. Ele chegou à costa do Maranhão e Pará, chegando ainda à ilha de Marajó, na foz do Rio Amazonas. A descoberta não foi anunciada pelo rei D. João pelo simples motivo de que as terras estavam em território espanhol, de acordo com o Tratado de Tordesilhas. Navegador consagrado, homem de ciência e de confiança do rei de Portugal. Seu manuscrito “Esmeraldo de Situs Orbis”, escrito entre 1505 e 1508, tem mais de 200 páginas, divididas em cinco capítulos, onde estão compilados todos os segredos da navegação portuguesa, onde ele fala da descoberta de uma nova terra, extensa e muito povoada. Com isso, foi colocado na altura de um gênio na época. Também foi o criador de um novo método de cálculo de meridiano, que dava um erro de apenas 4 graus. Era também um guerreiro admirável. Na Índia, comandando um pequeno grupo de portugueses, derrotou um adversário numericamente superior da cidade de Calicute. A façanha lhe valeu citações em “Os Lusíadas” (Canto X), como o “Grão Pacheco, o Aquiles lusitano”.

Vasco da Gama

Foi o homem que encontrou o caminho marítimo para as Índias, passando pertinho do Brasil no Atlântico Sul, onde a sua frota observou pássaros marinhos que tomavam o rumo Leste ao anoitecer. Com as afirmações de Vasco da Gama e Duarte Pacheco, era impossível Portugal desconhecer a existência do Brasil. O almirante, que pertencia à Ordem de Cristo, daí sua escolha pelo rei D. Manoel para comandar a frota. Nasceu na pequena cidade de Sines, uma vila de pescadores perto de Sagres, em 1469, dentro de uma família de fidalgos. Ele Íniciou sua viagem em 8 de julho de 1497, e chegou às índias no ano seguinte, com os navios São Rafael, São Gabriel e Bérrio, levando 170 homens, tendo percorrido 18 mil km. Bartolomeu Dias, o experiente navegador que dobrou o Cabo da Boa Esperança, fazia parte da frota, mas morreu perto do local que desbravou. Vasco morreu em Cochim (Índia), em 1527, ostentando o título de vice-rei.

Cabral

Pedro Alvares de Gouveia Cabral nasceu em 1467 ou 1468, na cidade de Belmonte, filho do juiz Fernão Cabral, e de Isabel Gouveia. Era uma familia fidalga, mas sem fortuna. Desde jovem freqüentou a corte, em Lisboa, onde estudou humanidades. Casou-se com Isabel de Castro, de família rica e influente. Era a terceira neta dos reis Fernando de Portugal e D. Henrique de Castela, e sobrinha também do influente Afonso de Albuquerque, construtor do império português na Ásia. O casal teve quatro filhos. Aos 33 anos, foi nomeado capitão-mor da armada, sem ter conhecimento da vida no mar. A indicação para o mais alto posto da esquadra deveu-se ao fato de ele ser leal ao rei D. Manuel, a grande influência da esposa na corte e a interferência do amigo Vasco da Gama que retornara recentemente da Índia e estava no auge do prestígio. Sua esquadra tinha 13 navios, o maior deles o de Cabral, de 300 toneladas, e com 1500 marinheiros. Cabral foi perdendo influência na corte, porque sua viagem à Índia não saiu como o rei queria. Perdeu seis navios, sem contar o de mantimentos, da maior esquadra até então montada por Portugal. Também deu para trás o acordo com o samorim de Calicute, onde morreram dezenas de homens. Neste episódio mostrou sua excelência como militar e sua diplomacia dos canhões: as mentiras do samorim do porto de Calicute, que acusou os mercadores mouros de ataques a seus homens em terra receberam troco. Aborrecido, segundo Pero Vaz de Caminha, o capitão-mor bombardeou naus mouras, matando 600 homens. Depois mirou para a cidade e descarregou suas baterias, destruindo quase tudo e pondo a correr o samorim e sua corte, fechando uma porta tão necessária para o comércio. Em 1502, desejava chefiar outra viagem à Índia, mas Vasco da Gama não permitiu. As relações entre os dois foi rompida. Desprestigiado, Cabral recolheu-se à cidade de Santarém, onde morreu, entre 1518 e 1520. Seus restos foram sepultados no altar da Igreja da Graça.

Dom Manuel, o Venturosíssimo

Soberano por acaso, foi ele o Rei de Portugal que enviou Cabral para “descobrir” o Brasil. Era o nono filho do irmão mais novo do rei Afonso V e suas chances de ganhar a coroa eram nulas, mas acabou por se beneficiar das reviravoltas políticas e da seqüência de mortes que tiraram seus rivais do caminho. Aos 36 anos, D. Manuel I, rei de Portugal e dos Algarves, d?Aquém e d?Além-mar em África, senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia e Índia, tinha em seu poder mais volume de informação sobre a arte de navegação e sobre as manhas do Mar Oceano do que qualquer pessoa no mundo cristão.

As controvérsias e curiosidades

As respostas mais aceitas hoje são, pela ordem: – Duarte Pacheco foi o descobridor. Cabral só veio para oficializar o feito português; – o nome Brasil existia antes do descobrimento para designar uma ilha imaginária perdida no Atlântico, segundo uma velha lenda ceuta transmitida pelos católicos irlandeses aos portugueses.- Portanto, o pau-brasil – ibirapitanga para os índios – vinha do nome da grande ilha e não o contrário; – a cartografia conhecida na época mencionava ilha de São Brandão, ou ilha Brasil de São Brandão; o nome tem raízes Na palavra celta Bress, que deu origem ao verbo inglês to bless, cujo significado é abençoar. A lenda falava da existência do outro lado do Atlântico, de uma ilha abençoada, e pessoas felizes. São Brandão, um monge irlandês que viveu por volta do ano 565, descobriu e colonizou Hy Brasil; Mapas portugueses do século XIV tinham grafado o nome de uma ilha Ho Brasil na direção dos Açores; – um jesuíta que acompanhava Duarte Pacheco rezou a primeira missa, na foz do Rio Amazonas, como atesta uma cruz encontrada pelos espanhóis Vicente Yanez Pinzon e Diego de Lepe, que também estiveram no Brasil antes de Cabral. O frei Henrique de Coimbra rezou também uma missa depois, na baía de Cabrália; – o primeiro nome dado pelos europeus, principalmente italianos, ao Brasil foi “Terra dos Papagaios”, em vista do grande número destas aves na costa; – os primeiros “colonizadores” oficiais a habitar a terra foram dois bandidos degredados, Afonso Ribeiro, e outro de nome desconhecido, deixados por Cabral. Também ficaram dois marinheiros safados que fugiram dos navios; – A primeira medição da terra atingiu 17 graus de latitude e foi bem próxima da real, que é de 16.º21″22?. O mestre João, um astrólogo da armada, errou por pouco. Para terminar estas linhas, das milhares que se poderia escrever, vale a pena citar um pedacinho da carta de Pero Vaz de Caminha, sobre as indígenas deste lado do Atlântico… ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos, compridos, pelas espáduas; e suas vergonhas tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que de a nós muito bem olharmos não tinhamos nenhuma vergonha…

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