Mostra exibe os retratos em que Portinari insiste em usar amarelo de Nápoles

Portinari foi um grande retratista, como provam as duas pinturas reproduzidas à direita, a maior sendo de Paul, um dos filhos do pianista polonês Arthur Rubinstein (1887-1982), e a menor, um autorretrato do artista, que ele presenteou ao seu médico em 1956, ano em que conclui os painéis Guerra e Paz, cada um medindo 14 x 10 metros, realizados a óleo sobre compensado naval durante nove meses e doados um ano depois à ONU sem a presença do autor – por causa de seu envolvimento com o Partido Comunista, ele sequer foi convidado para a cerimônia em Nova York.

Não foi a primeira nem a última injustiça contra Portinari. A despeito da defesa de Mário de Andrade, que certificou o papel do artista como líder do movimento moderno, ele tampouco foi convidado por Niemeyer para executar uma obra que fosse em Brasília, levando para o túmulo essa mágoa. Vale lembrar que a própria pintura contribuiu para sua morte. Portinari morreu intoxicado com o chumbo das tintas, o que torna ainda mais trágico o autorretrato amarelo da mostra (uma das cores mais tóxicas).

Há alguns retratos antológicos na exposição organizada por Denise Mattar para a Galeria Almeida & Dale, que vem promovendo retrospectivas com os principais nomes do modernismo brasileiro (Volpi, Guignard, Bonadei). A curadora aponta dois retratos da uruguaia Maria Victoria Martinelli, com quem ele foi casado por 30 anos, pintados em 1933 e 1934, em que a jovem esposa parece uma figura hierática saída dos quadros de Modigliani, como observa a curadora. De fato, a ausência dos olhos no último quadro sugere que a passagem por Paris quatro anos antes contaminara Portinari com o vírus da modernidade, assim como Modigliani fora influenciado antes pelo romeno Brancusi e as máscaras da arte africana.

Separada por módulos, a exposição divide a pintura social de Portinari entre a visão idealizada das favelas cariocas nos anos 1930 e a posterior – e mais vigorosa – crítica à miséria, dos anos 1940 em diante. Não há na mostra nenhum exemplo das pinturas monocromáticas em que Picasso emula o estilo de Picasso após ver Guernica em Nova York, em 1942, quando ainda podia entrar nos EUA – esses exemplos podem ser vistos no Masp, em cujo acervo figuram telas gigantescas do pintor, entre elas a têmpera Último Baluarte (1942), que Portinari admitia ser picassiana.

Em contrapartida, é possível identificar a ressonância de outros modernistas brasileiros como Di Cavalcanti nas figuras volumosas da tela Mulher e Criança (1936). “Portinari foi acima de tudo um experimentador”, diz a curadora, justificando a observação ao passar diante da pequena tela Duas Mulheres, que usa areia misturada ao óleo em sua composição. Do mesmo ano é uma tela de semelhantes dimensões em que as figuras são apenas esboçadas pelo desenho, como em algumas obras de Picasso.

Os pés, os grandes pés de Portinari, que também remetem aos pés agigantados de Picasso, podem ser vistos em raros esboços que ele fez para o Ministério da Educação em afresco, técnica pouco usada no Brasil naquela época. O crítico Mário Pedrosa, anos mais tarde, diria que esse não era um eco retardado do muralismo mexicano, mas um sinal de amadurecimento da técnica e da estética de Portinari. Ninguém duvida. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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