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Melodrama evoca urgência da voz feminina

Uma mulher desconcertada entra no consultório médico. Seu caso é urgente e precisa de ajuda. Ela quer interromper a gravidez. O encontro com a médica evoca memórias de afetividade, de relações familiares e de violência e o desejo de autonomia sobre o próprio corpo. Convicções pessoais e a burocracia do serviço público de saúde impedem a realização do aborto.

Idealizadora do espetáculo Vocês que me habitam, que estreia nesta segunda-feira, 13, na Oficina Cultural Oswald de Andrade, em São Paulo (SP), a atriz Ana Elisa Mattos destaca a urgência de se discutir o tema porque há “mulheres que estão morrendo”. “Tem milhares de questionamentos humanos de quem está nessa situação-limite”, diz ela, que interpreta essa mulher em desespero.

Coincidentemente, na quarta-feira, 8, uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou um texto que, na prática, pode levar à proibição de todas as formas de aborto no Brasil, inclusive das situações que atualmente são autorizados pela legislação, como no caso de estupro. A medida ainda precisa passar pelo plenário da Casa.

Com a vontade de abordar questões femininas, Ana Elisa uniu-se à atriz Joyce Roma para o projeto. Por sugestão do músico, diretor e autor Vinicius Calderoni, seu amigo, chegou ao dramaturgo Gustavo Colombini para escrever o texto, com a encomenda de tratar assuntos como tempo e maternidade. Com o material em mãos poucos dias depois, Ana Elisa convidou a atriz Erica Montanheiro para, num primeiro momento, dirigir a leitura da peça.

Afinidades estabelecidas, o encontro resultou em Erica assumir definitivamente a direção do espetáculo – a primeira após 20 anos de carreira da atriz, que participa do grupo Os Fofos Encenam. Para “aterrar”, como ela diz, o texto de Colombini, “muito potente e muito poético”, que trazia diversas possibilidades de vozes de mulheres, a diretora incorporou elementos do melodrama para contar a história. “O melodrama vem um pouco também para ajudar a estrutura dramatúrgica”, afirma Erica.

“E, desde o início, a gente sempre quis que esse espetáculo fosse visto por mulheres que estão lidando com isso mais em carne viva”, comenta Ana Elisa. A produção fez uma parceria com a Prefeitura para receber vítimas de violência atendidas pelos centros de referência da Coordenação de Políticas para Mulheres. Mas, já que contém cenas fortes que podem despertar desconforto, a plateia feminina, reservadamente, recebe um “aviso de gatilho” antes do início.

Erica ressalta que o espetáculo “não tem um comprometimento ou uma obrigação” de cumprir uma agenda feminista. “Nós só estamos tentando entender todas as possibilidades de existência de todas as mulheres – claro que a gente não vai dar conta. Mas nós pensamos em fazer o nosso recorte, pôr o nosso olhar particular e que isso se torne universal para quem está vendo.”

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