Jornalismo e empreendedorismo

zmb2260306.jpgNos últimos anos a formação nos cursos de jornalismo vem passando por uma série de discussões. Autores como Nilson Lage, Hélio Schuch, Eduardo Barreto Vianna Meditsch, entre outros, criticam os cursos de formação de jornalistas que não os capacitam para a profissão ou que não os despertam para o empreendedorismo. O jornalista Luciano Demetrius Leite, especialista em Comunicação e Marketing, que nos últimos cinco anos atuou como professor em cursos de jornalismo em Curitiba, Cascavel e Salvador, diz que ?o ensino no Brasil está ínfimo e limitado?. Na entrevista a seguir, ele esclarece em detalhes:

Zélia Após lecionar em Curitiba (PUC, Uniandrade e Tuiuti), em Salvador (Faculdades Jorge Amado) e Cascavel (Unipar) o que tem a dizer sobre os cursos de jornalismo?

Luciano – As escolas apenas educam o estudante a ser mão-de-obra, não estimulam a criar suas próprias oportunidades, não incentivam a empreender. O mercado mudou muito, já não há o mesmo espaço físico como no período em que eu era estudante. Hoje, se por um lado as portas se fecharam, por outro foram sendo abertos novos caminhos, talvez até mais promissores que o mercado convencional, porém a escola ainda está lá atrás. Como diz um amigo meu, o fotógrafo Roberto Lopes, que tem um espaço de Fotografia no portal do Paranaonline, ?atualmente muitos profissionais da fotografia têm equipamentos do século 21, mas ainda trabalham no século 19?. E é isso que eu observo na academia.

Zélia Você tem encontrado cursos de comunicação que priorizam o investimento em vez do ensino?

Luciano – Atualmente há muitos barões do ensino, uma modalidade de investimento muito perigosa, uma especulação. Prova disso é a forma como as escolas particulares cobram as mensalidades e os juros. Chegam a ser tão ou até mais ferinas que as corretoras de seguro, bancos ou empresas de crédito. Virou um mercadão com promoções de preços, matrículas ou inscrições em troca de um quilo de alimento ou brinquedo, num cinismo das instituições em querer aparecer como benfeitoras. Recomendo o filme Cro nicamente inviável, de Sergio Bianchi, para entender do que eu falo. Virou moda ser assistencialista. E agora o ensino superior entrou nessa.

Zélia Schuch (2000) afirma que muitos cursos de jornalismo oferecem conteúdos das ciências humanas e sociais desconectados dos conteúdos técnicos. Os jornalistas, ex-alunos, só vão se dar conta dessa desconexão quando ingressam no mercado de trabalho. Qual é sua consideração?

zmb260306.jpgLuciano –  Além desta desconexão que você citou na pergunta, há um distancimento do mercado e da realidade, de um modo geral. Ainda há idéias pré-concebidas e preconceituosas. Eu tive um grupo de alunos, numa universidade em Curitiba, em que os seus seis integrantes portavam um projeto belíssimo de um programa de rádio, que tratava de violência, segurança, direitos humanos, trânsito, mas que fugia da esfera do sensacionalismo.

Mas mesmo com uma idéia assim, eles temiam me mostrar, pois muitos professores não querem matéria policial, dão nota baixa. Imediatamente coloquei o projeto em prática para eles e os estimulei a levar a proposta para uma emissora. É isso que acontece nos cursos. Muitos professores com discursos teóricos, engessados e, pior, doutrinadores.

O aluno tem que pensar como o professor pensa. Também há os modismos. Até pouco tempo atrás, era divino discursar sobre jornalismo comunitário, só que perto de cem por cento destes professores não sabem o que é ir até uma favela, visitar uma comunidade, negam-se até a tomar um ônibus. Não põem o pé na lama, como costumo ironizar. Mas o que mais me deixa indignado nas faculdades privadas é a preocupação em agradar à fiscalização do MEC-Ministério da Educação e do Desporto. Então, fica tudo arrumadinho, aprontadinho e maquiado. A meu ver, os fiscais do MEC teriam que fazer visitas freqüentes, entrevistar os alunos, verificar se há aproximação entre o mercado de trabalho e o que está sendo ensinado.

Zélia Você estabelece alguma relação entre o registro ou diploma e o curso de jornalismo?

Luciano – Quero levantar a bola para que seja feita uma reflexão sobre o ensino de Jornalismo. Acredito que ?liberando? o registro, as instituições que fazem uso do curso de Jornalismo vão diminuir a sua gana por esta modalidade de ensino. Assim, somente ficarão as que realmente querem levar a formação a sério. Em Salvador há onze instituições que ofertam Jornalismo. E, o mais grave, muitas instituições não abrem turmas de primeiro semestre quando não há número suficiente de alunos. Isso é coisa para se denunciar no Procon. Então eu vou a uma padaria e peço dois pães, mas só me vendem a partir de cinco unidades, pois senão não terão lucro? As faculdades privadas no Brasil estão pior, em sua grande maioria, que armazém de secos e molhados.

Zélia Qual é sua sugestão para que um curso seja empreendedor?

Luciano – Em primeiro lugar, as próprias entidades ligadas aos jornalistas precisam se atualizar, rever a questão do estágio. É proibido há muito tempo, mas sabemos da exploração contra o estagiário de jornalismo. Eu atuei por um ano num jornal como assistente administrativo. A empresa se vê amarrada, o estagiário desanima e ninguém tem garantias. As entidades de classe, os empresários de comunicação e as escolas devem se aproximar e estudar, debater a respeito de novas formas de atuação no mercado e, principalmente, do empreendedorismo. Dou um exemplo: se um grupo de seis alunos tem uma empresa voltada para criação de cadernos especiais, pode vir a ser uma parceira de vários jornais. Existem jovens com um potencial fora do comum nas faculdades, mas me frustra saber que serão ceifados por um sistema antiquado e teimoso. Quem vai querer ousar num meio em que ninguém lhe presta apoio, não lhe dá referências e que o risco de falir é enorme?

Zélia Maria Bonamigo é jornalista, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social pela UFPR, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná – zeliabonamigo@uol.com.br.

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