Iraque inspira livro de jornalista

d71.jpgSouvenir Iraquiano, do jornalista Robinson dos Santos, foi lançado no dia 4 de julho, com selo da Editora Cultura em Movimento, de Blumenau. O livro estará à venda, em Curitiba, na Livraria do Chaim.

Ainda não há informação sobre o paradeiro do engenheiro João José de Vasconcellos Jr., brasileiro seqüestrado no Iraque. Ele foi capturado no dia 19 de janeiro deste ano, enquanto trabalhava em uma empresa de construção civil contratada para participar dos esforços de restauração do país após a invasão norte-americana. Para a maioria dos conterrâneos de João José, parece estranho que um brasileiro estivesse trabalhando em uma região tão perigosa do planeta. Mas acontece que o envolvimento do Brasil com o Iraque não é recente. Desde os anos 80 que brasileiros vinham se aventurando naquele país apesar de suas consecutivas escaramuças com o vizinho Irã e com os EUA em busca de fortuna.

Enquanto a maioria dos brasileiros que se dirigiam àquela região entre o Tigre e o Eufrates trabalhava em empresas conhecidas como a Volkswagen e a Petrobras, exportando carros e prospectando petróleo, ou na Mendes Júnior, construindo estradas no meio do deserto, outros brasileiros participaram de mercados muito mais controversos, como na Avibrás e Engesa, instalando mísseis em aviões de caça de Saddam Hussein e treinando soldados para pilotar carros de combate como o Urutu e o Cascavel que foram adotados pelo exército durante a guerra de nove anos contra o Irã. Ainda outros brasileiros trabalharam em projetos mais secretos ainda, como o da usina nuclear de Osirak, parte fundamental do plano de Saddam Hussein para construir sua própria bomba atômica.

Curiosidades como esta fazem parte do enredo de Souvenir Iraquiano, que o jornalista Robinson dos Santos lançou neste dia 4 de julho, com selo da Editora Cultura em Movimento, de Blumenau. Coincidentemente, o personagem principal do livro de Robinson dos Santos é um engenheiro que saiu do Brasil para trabalhar para o governo de Bagdá antes do início da guerra contra o Irã. Militar graduado em Engenharia Nuclear, Luciano (é assim que ele se chama) envolve-se na construção da usina nuclear de Osirak. É nas escavações para a construção daquela instalação secreta que ele descobre que o Iraque é um dos maiores sítios arqueológicos do mundo. Existe sempre a probabilidade de encontrar relíquias ancestrais no solo daquele país.

E é Osirak o local onde Luciano quase encontra a morte, quando a usina, ainda não concluída, torna-se alvo de um bombardeio israelense, em 1981. Luciano fica sumariamente desempregado, mas isso acontece por pouco tempo. Suas habilidades eram necessárias em outros países que faziam acordos com a ditadura brasileira com a finalidade de obtenção de tecnologia nuclear. E ele recebia régios salários para isso.

No entanto, o mundo vai mudando, o controle norte-americano sobre a tecnologia nuclear frustra os sonhos atômicos de republiquetas e Luciano, que já havia abandonado o Exército, encontra-se sem fontes de renda. Isso acontece exatamente no final dos anos 90, época em que o Brasil vivia uma inflação galopante e um desespero econômico. O engenheiro nuclear, acostumado a altos salários e empregos importantes, se vê obrigado a tentar se virar do jeito que pode, até que sua filha apresenta os sinais de uma doença que, naquela época, exigia altas somas de dinheiro em seu processo de cura: a leucemia.

Sem crédito, sem recursos e sem emprego, Luciano une-se a amigos que vivem a mesma penúria e decide ?fazer dinheiro? à força. A primeira idéia é participar de um seqüestro de um rico empresário do sul do país, integrando um plano arquitetado por um perigoso contraventor carioca. Luciano e seus amigos recebem armas e equipamentos sofisticados para ajudar na realização do crime, mas o plano naufraga antes de começar e Luciano entra numa enrascada maior ainda, pois passa a dever, ao mentor e financiador do seqüestro, o prejuízo decorrente do plano frustrado.

Com a família sofrendo duas ameaças diferentes (da doença e do crime), resta a Luciano uma medida ousada e desesperada: retornar ao Iraque para roubar as relíquias que ele vira soterradas sob os escombros da usina de Osirak. Para Robinson dos Santos, um dos maiores desafios do livro seria convencer o leitor de que um brasileiro seria capaz de conceber um plano tão ousado. ?Estamos acostumados a enxergar o brasileiro sempre como uma criatura passiva, e esquecemos como somos aventureiros no dia-a-dia, na nossa luta diária pela sobrevivência. Os brasileiros que sobreviveram à hiperinflação, eu acho, são verdadeiros heróis em termos de criatividade e ousadia?, considera o autor.

Para que Souvenir Iraquiano não se transformasse em uma insólita história de ?busca de um tesouro perdido?, o autor fez pesquisas aprofundadas. ?Um dos primeiros passos foi confirmar que o contrabando de relíquias assírias e sumérias no Iraque é um negócio rentável. Isso foi possível através de consultas que fiz junto a agências internacionais de notícias. Até bem pouco tempo existiam leis que aplicavam pena de morte a contrabandistas de tesouros iraquianos?, explica Robinson dos Santos.

Segundo o autor, um dos percursos mais comuns dos tesouros roubados do solo iraquiano é rumo à Turquia. E na época em que se passa a trama de Souvenir Iraquiano, este tipo de transação comercial ilícita era muito comum naquela região. E é exatamente sobre isso que fala o livro. Sobre eventos extraordinários que acontecem com gente comum. Sobre uma história que poderia ser tomada como ?história de pescador?, mas que tem todos os pré-requisitos para ter ocorrido de verdade. Porque é esse o espírito do romance de espionagem: revelar, com a ficção, uma verdade oculta pelos governos, pelos poderosos.

Curiosidades

Os primeiros elementos de Souvenir Iraquiano começaram a surgir em 1998, quando Robinson dos Santos visitou Berlim, a capital da Alemanha. Foi no Pergamon Museum que viu algumas relíquias que chamaram sua atenção. Uma delas era um prendedor de papiros ou de tecidos que era no formato de um casal em cópula. ?Ao pressionar uma parte, o pênis saía de dentro da mulher e a pessoa, no caso, um sumério, poderia retirar o que estava preso com o grampo?, descreve Robinson. A outra relíquia era um par de dados. ?Eu até podia compreender que há mais de 3 mil anos o homem já pudesse fazer algumas bobagens como o prendedor de papel libidinoso, mas não tinha idéia de que o dado fosse uma invenção tão antiga.?

E aquilo ficou em sua memória, e só veio ressurgir quando, durante seu trabalho diário como jornalista, estava finalizando uma página de notícias mundiais, quando viu uma nota que chamou sua atenção. ?Estava procurando alguma coisa sobre os diários bombardeios americanos às forças iraquianas devido à zona de exclusão, e encontrei uma pequena matéria que falava sobre a prisão de arqueólogos ingleses no norte do Iraque. Eles haviam sido pegos tentando levar relíquias assírias ou sumérias para a Turquia. Foi ali que as idéias começaram a aparecer?.

Desde os anos 80 Robinson sabia que o Brasil tinha um grande intercâmbio militar com o Iraque. Seu pai, oficial da Marinha de Guerra do Brasil, participara de alguns encontros entre militares brasileiros e iraquianos para troca de experiências em equipamentos. ?Cresci familiarizado com isso. Daí a saber que em 1980 engenheiros e militares brasileiros estavam no Iraque, ajudando a construir uma usina nuclear, foi um pulo.? O segredo, segundo Robinson, sempre foi não oferecer resistência a esse tipo de informação. ?O brasileiro custa a acreditar que estejamos tão enfronhados assim e que tenhamos papéis decisivos em assuntos internacionais. Costumam incutir em nosso povo que somos menos que coadjuvantes, e sim figurantes no cenário mundial. É mentira.?

Falar dos fatos que cercam Souvenir Iraquiano é mais do que citar a Primeira Guerra do Golfo. É preciso pensar na guerra Irã x Iraque, na hiperinflação brasileira, na histeria da indústria bélica do Brasil, no Caso Baumgarten e em muitos outros assuntos históricos.

Literatura

Souvenir Iraquiano é, talvez, o primeiro romance brasileiro que mais se enquadra no gênero literário mais vendido no século XX, o de espionagem. ?Minha tese de mestrado é a única no Brasil, até hoje, a explorar o gênero de espionagem e investigar sua ocorrência na literatura brasileira. Investiguei o que já foi escrito no país e as definições descritas por críticos e literatos estrangeiros, e uma das primeiras coisas que descobri é que existe realmente este gênero, e que ele não é um subgênero da literatura policial. Enquanto este último gênero surgiu em 1876 com Edgar Allan Poe, o romance de espionagem já estava presente nos Estados Unidos e na França, primeiro com James Fenimore Cooper em 1821, e depois com Gustave Aimard, em 1874.?

A exploração do gênero de espionagem é o principal aspecto formal inovador de Souvenir Iraquiano. ?É um livro de entretenimento, com uma linguagem direta, quase jornalística, mas que é experimental pelo fato de buscar uma inserção dentro de um gênero que não tem, no Brasil, um imaginário pré-estabelecido?, considera o autor, que esquematiza a obra em três partes:

1) apresentação do enredo e dos personagens;

2) apresentação de um imaginário ligado à espionagem, que está distante do imaginário literário brasileiro;

3) desenvolvimento da trama.

Dentro deste esquema, Robinson teve que fazer uma opção arriscada: ?Teria sido mais fácil fazer de outras formas, como alterar o personagem central ou até mesmo adotar um pseudônimo anglo-americano, mas o desafio era mesmo esse, o de fazer uma inserção à força no imaginário, tentando mudar uma imagem que o brasileiro tem de si mesmo. Esse era o risco maior desde o início do projeto. O leitor pode comprar o peixe e aceitar que poderia haver um personagem como Luciano ou não?.

E, assim como no livro, os dados foram lançados.

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