Internet: polêmicas sobre o conteúdo aberto

Dois dos mais populares serviços de conteúdo aberto da rede, a enciclopédia Wikipedia, e o serviço de buscas Google Book Search, são objetos de discussões nos últimos meses. Recentemente, os dois serviços considerados revolucionários do ponto de vista de pesquisas na internet estiveram sob os holofotes em duas polêmicas. O primeiro foi a Wikipedia (www.wikipedia.org), a enciclopédia livre da internet – onde os internautas são responsáveis por fazer e editar o conteúdo -, que, devido a ?erros? em seu conteúdo, teve sua validade posta à prova. A segunda foi a decisão da poderosa Google em continuar seu projeto Google Print, rebatizado de Google Book Search (books.google.com), que almeja digitalizar o conteúdo das maiores bibliotecas americanas, partindo em seguida para as de outros países.

Enquanto a polêmica da Wikipedia obriga a revisão da validade do conteúdo livre que se encontra na rede, a do Google Book promete ser uma pequena nova revolução dentro da internet, democratizando ainda mais o acesso à informação. ?A polêmica da Wikipedia foi necessária para que o problema ganhasse escopo. Já a do Google Book cheira a medo do mercado editorial em ser a próxima vítima do conteúdo on-line, assim como aconteceu com a indústria da música?, afirma o jornalista Pedro Dória, especialista em assuntos da grande rede.

Enciclopédia?

No dia 1.º de novembro, a Wikipedia registrou a inclusão do artigo de número 800 mil em sua edição para língua inglesa. Em português, o projeto já conta com 86 mil artigos. No dia 29 de novembro, John Seigenthaler, que foi assessor de Robert Kennedy, o irmão também assassinado de JFK, que sempre esteve acima de qualquer suspeita nos crimes, publicou um artigo no jornal norte-americano USA Today afirmando que teve durante 132 dias seu nome erroneamente listado na Wikipedia como um dos suspeitos de ser o mandante das duas mortes.

Dois dias depois, o ex-VJ da MTV Adam Curry, pioneiro do podcasting, os programas de rádio para walkmen digitais, foi pego anonimamente retirando o nome de algumas pessoas no verbete que contava a história da tecnologia na Wikipedia. Publicamente, Curry negou as acusações e afirmou que só queria assegurar a exatidão da trajetória do podcasting.

Lançada em janeiro de 2001, a Wikipedia propõe que qualquer um seja editor em potencial. Cada verbete pode ser modificado, basta acesso à rede. ?O projeto da enciclopédia livre é bonito. Mas no momento em que a Wikipedia se tornou um dos sites mais consultados e reproduzidos da internet, suas falhas estão cada vez mais evidentes?, diz Dória. O problema é que a livre edição de textos públicos abre brechas para a inclusão de dados falsos ou até mesmo maliciosos sem que sejam detectados.

No início de dezembro, a Wikipedia anunciou uma mudança no método de edição, tentando salvar a sua reputação, fazendo ser necessário se registrar no serviço para incluir, mudar ou retirar informações. Dória explica que a idéia do modelo adotado pela Wikipedia pressupõe que se tanta gente quanto possível trabalhar num produto voluntariamente, seu resultado trará excelência. ?Mas a prática prova que não traz.? Para a bibliotecária Rosilei Vilas Boas – responsável pela ferramenta de busca de um portal na internet destinado a centenas de escolas privadas no Brasil -, os escândalos envolvidos no projeto afetam diretamente todo os brasileiros, já que não é mais possível dissociar seu uso da vida acadêmica, em qualquer grau de escolarização. ?Na era do ?copia e cola? da internet, a Wikipedia tem grande popularidade. Mas é preciso ter muito cuidado no seu uso, ainda mais agora?, acredita.

Rosilei lembra ainda outro episódio envolvendo a Wikipedia, onde usuários trocaram por alguma horas a foto do papa Bento XVI pela de um personagem da série Guerra nas Estrelas. ?O projeto, de oportunizar a construção de conhecimento aberto é muito importante, mas da maneira em que se encontra, está à mercê de vandalismo virtual e até mesmo ufanismo e fanatismo?, aponta a bibliotecária.

Cuidados extras

Para Rosi, quando se encontra alguma informação na Wikipedia, para se ter total certeza da veracidade do conteúdo, é necessário completar a pesquisa em fontes mais confiáveis. Para Dória, é comum que os defensores da Wikipedia puxem da cartola a comparação com o Linux, sistema operacional livre no qual roda boa parte da rede. ?Mas há uma diferença. Linux é, de fato, um produto tecnológico sólido fruto do trabalho voluntário. Só que tem editores. Há um grupo de pessoas que decide que código entra ou não em cada nova versão. Isso, editores responsáveis e testados que filtrem a entrada no ar de um novo verbete – ou de modificações – não existe na tal enciclopédia.?

Para os idealizadores da Wikipedia, o medo é que um corpo editorial crie o risco da censura. ?Mas enquanto um verbete escrito nas coxas é consumido como fato, não é possível que se utilize a palavra enciclopédia para definir o projeto?, acredita o jornalista. Para Dória, nem mesmo existe a necessidade de se deixar todos os verbetes com a possibilidade de ser editados por muito tempo. ?No caso dos Kennedys, por exemplo, não há mais o que se acrescentar no sentido de informação. Caso os verbetes já estivessem encerrados, talvez a preocupação com mudanças mal intencionadas não fosse tão grande?. 

A digitalização de livros gera divergências

Já o controverso projeto de digitalização de livros do Google, criado no início do ano, teve que ser paralisado em agosto. Todavia, retomou a digitalização das obras de grandes bibliotecas americanas depois de muita conversa com as editoras daquele país. Além disso, teve que mudar de nome. Parou de atender pelo nome de Print. No blog do Google, o diretor de marketing do setor, Jen Grant, divulgou que o nome do serviço passaria a ser Google Book Search, devido à imagem errada que usuários tinham com o antigo nome. ?Muitas pessoas imaginavam que o Google Print as ajudava a imprimir livros, o que não é verdade?, diz o diretor.

Um nome mais descritivo, segundo o executivo, ajuda a esclarecer qual é a proposta real do projeto – a de buscar conteúdo de livros on-line. O Google Book Search experimentou bastante polêmica antes de seu lançamento – inclusive um processo de uma associação de escritores – por supostamente digitalizar e colocar on line obras protegidas por direitos autorais.

?A digitalização de bibliotecas é o sonho de todo o bibliotecário. Imagine ter acesso a obras raras de bibliotecas chinesas, por exemplo. Existem livros especiais em algumas bibliotecas que nem mesmo as pessoas que moram nas cidades têm acesso e que poderão ser encontrados, gratuitamente, na internet?, comemora Rosilei Vilas Boas. Para a especialista, o projeto Google abre um espaço único, e ímpar para obras que já são de domínio público.

Já Eduardo Blucher, coordenador da comissão de tecnologia da Câmara Brasileira do Livro (CBL), e um dos donos da Blucher Editora, revela que os editores temem que a digitalização de obras abra caminho para que as empresas percam o controle da venda para os meios tecnológicos, assim como está acontecendo com o mercado fonográfico. ?Vale lembrar que ao contrário das gravadoras, que são grandes conglomerados, a maioria das editoras são de pequenas companhias?, diz o editor.

Segundo Blucher, para os romances, a digitalização é ótima, já que quem começa a ler uma parte de um livro on-line e gosta, muito provavelmente irá comprar uma cópia física. ?Mas no caso de livros técnicos, de consulta, se o conteúdo estiver todo a disposição, ninguém mais irá querer comprá-los?, explica. Além das obras de domínio público, no caso americano, o Google só digitaliza livros que as editoras e os escritores autorizam. Mas para Blucher, em outros países o problema pode ser grande, já que depende dos donos do direito autoral, que podem nem sempre estar bem intencionados. ?A solução seria o Google Book, no caso dos livros técnicos, restringir o resultado, mostrando apenas algumas poucas páginas.? (DD)

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