Índios de Cotinga e Sambaqui: artesanato não é suficiente

Nos anos 50, os índios Guarani foram classificados por Schaden (1974, p. 2) em três grupos conforme as diferenças dialetais: Kaiova, Nhandéva e Mbya. Em Paranaguá-PR (Ilha da Cotinga) e em Guaraqueçaba-PR (Sambaqui) habitam os índios Guarani Mbya, com quem foi possível estabelecer um diálogo simples e agradável, pois, além de falar “o guarani do tronco tupi-guarani”, como enfatizam, utilizam o português. Nos relatos de seus depoimentos serão mantidas suas expressões originais por respeito. Mesmo sem saber falar a língua dos não-índios, eles a aprendem para se comunicar.

Podem ser vistos ao venderem utilitários e artesanatos para turistas em vários locais das cidades próximas às ilhas. Encontrei-os da primeira vez perto do mercado do café em Paranaguá. Nelson Ortega representava Sambaqui (Guaraqueçaba), Livino Euzébio era da aldeia Pindoty na Ilha da Cotinga. Com eles estava Pedro Martins, da Aldeia Canta-Galo, Rio Grande do Sul, que veio com o pai, Rosalino Martins, para visita.

O índio Nelson Ortega contou que “tempo atrás não era assim, mas agora tem que trabaiá com artesanato para podê arrumá comidinha para nosso filhos, prá sustentá… o jeito é esse”. E muitas vezes não dá. Por isso estava fazendo um curso em Guaraqueçaba e se preparando para trabalhar no turismo. Como funcionaria? Ele explica: “Quando o turista vem, levo ele e mostro como é que o índio faz como não faz. Esse aí é meu trabalho. Eu sou índio puríssimo. Se o turista vem aqui, sem nada ele não pode chegá. Tem que comprá as coisas que nóis temo, né. Porque o trabalho é de artesanato. A maioria que nóis temo é só isso. Então o turista tem que levá coisinha para dar a criançada e comprá o artesanato.”

Nelson lamenta que sempre que vai a Paranaguá vende para as lojas, mas “vende baratinho.” Disse que os filhos estão sendo preparados para fazer artesanato, porque, além de estudarem na aldeia, “Guarani tem que trabaiá”. Livino acrescentou que precisam de madeira “prá fazê a casa, essa coisa pra gente se colocá meió.”

No final da conversa, os índios fizeram o convite para conhecer o local onde vivem e ver as necessidades que têm. A volta à região ocorreu no sábado, dia 21 de junho de 2003. Quando alguém chega, os índios não perdem a simplicidade e sabem receber bem. Uma das condições para a conversa é que na próxima vez o visitante leve bolachas, outros alimentos, calçados e roupas para as crianças.

O cacique estava em reunião em São Paulo para a ampliação das terras indígenas. O irmão dele, Jair, o substituía. Na casa do cacique, foi apresentado o CD Cânticos Eternos Guarani, de iniciativa do Instituto Nhemboetê que reúne corais de aldeias de várias localidades brasileiras.

Foi possível conhecer diversas famílias e entre elas reencontrar o índio Livino que preparava taquaras para o artesanato. As mulheres trabalhavam na confecção de cestos em geral e os homens faziam arcos, flechas, bonecos artesanais entre outros utensílios. Os utilitários e os artesanatos eram confeccionados da matéria-prima coletada nas áreas da mata.

A agricultura é sua principal atividade de subsistência, mas não supre a demanda alimentar dos integrantes da aldeia. A avicultura é difundida entre eles, e especialmente os patos permanecem em sua companhia próximo ao fogo aceso entre tijolos. Há pouca disponibilidade de caça.

Com 77 anos, o pajé Faustino da Silva vive com a família numa casa de reza feita de pau, taquara e barro, coberta de folha de capim. Ele conta: “Soi pajé, faço oração. Quando alguém tem doença me percura aqui. Faz 47 anos que me entreguei a Deus”. Disse também que pede a Deus para salvar os doentes, mas quando vê que com oração ou remédios caseiros não consegue sua cura, encaminha-os para a farmácia.

O pajé conta que os antepassados “viviam no mato, porque naquela época não fartava comida. Matavam o bichinho com frecha ou preparavam uma armadilha. Agora não tem jeito de fazê isso. Não tem bichinho.” A idéia é criar patinhos, aliás dois já vivem com eles.

Estudos coordenados por antropólogos e realizados pelo projeto CTI-Centro de Trabalho Indigenista (1997) de São Paulo permitiram-lhes afirmar que os Guarani carregam o estigma de índios aculturados por usarem roupas, outros bens e alimentos industrializados. Esse fato aliado à aversão que têm de brigar por terras foi aproveitado para que suas terras fossem reduzidas como se eles delas não precisassem, favorecendo assim aos interesses econômicos especulativos. Perderam muitas áreas que não puderam recuperar.”

Fiquei admirada com a preservação de sua cultura. Mesmo com uma história que vem marcada, desde o século XVI (CTI, 1997), pelo confisco de seu território, conseguiram manter muitos de seus costumes. Por exemplo, preservaram a língua guarani e aprenderam outra. Desenvolveram, assim, uma forma específica de preservar suas tradições e de estabelecer relações com a sociedade dominante.

Eles disseram precisar de muita coisa, como explicou o pajé: “O que tá faltando prá nois é comida, roupa, calçado, agasalho. Para sobrevivê e dá comida as criança, vendemo em Paranaguá, má é muito poco, né, precinho muito poquinho, né, vende por R$ 2,00 por balaio, dá prá comprá só picolé pra criança.”

Fica aqui, portanto, a partilha dessa visita e o apelo: Pessoas que querem ajudar podem telefonar para o cacique Nilo ou para o Jair, o irmão dele: 9998-8561.

Zélia Maria Bonamigo é jornalista, especialista em Mídia e Despertar da Consciência Crítica. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná

E-mail:

zeliabonamigo@uol.com.br

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