Impressões sobre o filme Lost Zweig

A profunda impressão de um duplo suicídio não passa pelo gargalo de apelos sensacionalistas cotidianos, passa, sim, pela percepção que apalpa as dobras do tempo para compor a história, passa pela garganta seca que revela a chama poética de um pertencimento verdadeiro.

No filme Lost Zweig, de Sylvio Back, o suicídio, em si, é uma tangente traçada entre a linguagem humana como coerência de ações individuais precisas e a insuficiência de um domínio que não se adota, de um espírito que se pauta apenas pela lógica de uma configuração histórica, em detrimento da vida como metabolismo da existência. O efeito de um contraste entre o mote para o duplo suicídio e uma narrativa que privilegia, quase que de forma lúdica, a imagem de um período nebuloso, resulta na primorosa contextualização de espaços culturais autênticos; apresenta elementos de uma época sem o estabelecimento de referências que possibilitem passividade frente à obra.

Em Lost Zweig, o amor e o jogo se espelham, por um lado, numa lista que, ao contrário de Schindler, Stefan Zweig não obteve êxito em salvar da ira nazista os seus componentes, e, por outro, num tabuleiro de xadrez onde o paradoxo de um jogo solo põe em cheque a própria vida. Lotte, esposa de Zweig e protagonista dos suicídios, junto ao marido, por sua vez, move-se compassiva ao ritmo de uma solidão introjetada nas próprias veias que culmina no derradeiro gesto de “esperança”: o suicídio.

O conceito de uma obra composta sem contornos revela, na serenidade de um gesto extremo, a estrutura do objeto que se constrói na dimensão de cada olhar, na solidão de cada pulso vivenciado em nome da vida. Se, a julgar pela lógica, o objeto suicídio significa a estupidez deliberada sob um gesto de coragem ou a honrosa saída para o sentimento de fracasso, nesta obra de Back, contudo, a emoção da poesia busca legitimar o gesto do outro como pertencente à configuração de um universo único. O julgamento que se faça, nesse sentido, se dá em função de justas coordenadas que se tenha disponível para a compreensão da vida.

Não há julgamento, não há preconceito em relação às escolhas fundamentadas na trajetória mais íntima do indivíduo. O contexto histórico em que, Zweig e Lotte, decidem pelo suicídio é a única rede cujos nós as imagens do filme se referem. Diante disso, o que se sugere ao desassossego que emociona, seriam os profundos encontros e desencontros que se considere no ato presente de elaboração da própria vida.

A vida e a morte, em Lost Zweig, se imbricam a cada lance de um jogo, que, apesar do tácito amor intencionado, transcorre no campo interno onde a morte predomina, feito memória de um lance preciso. Desse modo, à vida resta a arte; a visão de um campo sem fim, suportada pelas imagens que se revelem em reconhecimento à legitimidade de qualquer gesto.

Roberto Bittencourt é poeta e Mestre em Comunicação e Linguagens.

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