‘Ifigênia’ abre temporada no Sesc Belenzinho

Nenhum homem, grande ou pequeno, é dono de seu destino. Ninguém, poderoso ou não, sabe quantos desastres carrega dentro de si. Em “Ifigênia”, espetáculo que abre temporada no Sesc Belenzinho, é da força do imponderável que se está a falar. Um indivíduo conta tão pouco frente ao mundo. Precisa tantas vezes abdicar do próprio desejo em nome de um bem maior.

Dirigida por Marcelo Lazzaratto, a peça da companhia Elevador de Teatro Panorâmico parte da tragédia de Eurípides: “Ifigênia em Áulis”. Encontrou no dilema que atravessa seu enredo – a disputa entre a vontade individual e o imperativo coletivo – a matriz ideal para pôr em prática seu sistema de atuação.

Na atual encenação não existem intérpretes fixos para cada um dos personagens. Os nove componentes do elenco conhecem todo o texto e se revezam constantemente para tomar as vozes da jovem Ifigênia, de seu pai, o general Agamenon, de sua mãe, Clitemnestra. A técnica merece o nome de Campo de Visão. Parte do princípio de que um ator só deve agir quando observar algo que o afete: um gesto, uma movimentação, uma palavra. “Os intérpretes têm de fazer suas escolhas o tempo todo. Precisam estar atentos ao coletivo, mas sem desaparecer como indivíduos”, diz o diretor. Há cerca de 12 anos, ele desenvolve a técnica dentro do grupo e encontrou na estrutura da tragédia, dividida entre o coro e os protagonistas, o campo ideal para aplicá-la.

A peça trata da história de uma moça que precisa ser sacrificada em nome da guerra de Troia. Os gregos querem recuperar Helena, sequestrada pelos bárbaros. Mas, para que haja ventos que levem seus navios até o território do inimigo, a deusa Artêmis exige a morte da virgem.

Seu pai, o bravo Agamenon, vê-se diante desse impasse: conciliar o afeto pela filha com a aspiração coletiva por guerra e vingança. O tema da peça desdobra-se em subsídio para o exercício de alteridade que é levado ao palco. Forma e conteúdo se confundem. Só quando percebe o outro é que um intérprete pode agir. Precisa absorver o que se passa fora dos limites de seu corpo, para então afirmar-se individualmente.

Nesse jogo de equilíbrio delicado, Lazzaratto conseguiu realizar boa parte das aspirações do teatro contemporâneo. Os atores são capazes de existir em cena para além de seus personagens. Evidenciam o desvão entre a voz que fala e o discurso que é pronunciado. A velha ambição das artes cênicas, de que cada apresentação seja única e irreproduzível, também se concretiza aqui. É possível saber tudo o que vai acontecer – porque conhecemos a fábula -, mas não há como adivinhar como tudo aquilo ganhará forma naquela noite. Nada é pre-determinado. Outro achado da montagem está no uso da narração. Ações inteiras que não precisam ser encenadas e encontram força insuspeita quando narradas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Ifigênia – Sesc Belenzinho (Rua Padre Adelino, 1.000). Tel. (011) 2076-9798. 3ª e 4ª, 21 h, sáb., 20 h, dom., 17 h. R$ 24. Até 29/4.

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