Há tanta sutileza em ‘Como Eu Era Antes de Você’

Onze entre dez críticos andam dizendo por aí que Como Eu Era Antes de Você é a diluição de Os Intocáveis, o longa francês com Omar Sy e François Cluzet, e Mar Adentro, com Javier Bardem. Bom, se você precisava de só mais um pretexto para dispensá-los, pode ser esse. Críticos são pessoas ocupadas. Não têm tempo a perder com filmes de mercado. Talvez devessem olhar de forma um pouco mais atenta para a tela. Como Eu Era não tem nada a ver com Os Intocáveis pelo simples fato de que o longa francês é sobre um sujeito que usa o dinheiro que tem, e tem muito, para seguir vivendo com as limitações que o corpo paralisado lhe impõe. Como Eu Era é sobre um jovem muito rico que resolve se matar porque não aguenta mais a vida de tetraplégico, e nada nem ninguém o demove de sua decisão. Estamos muito mais no domínio de Mar Adentro, portanto.

A discussão, no longa do espanhol Alejandro Amenábar, era sobre o direito do personagem de Javier Bardem de viver e morrer com dignidade – o direito à eutanásia. Mar Adentro é que era a antecipação diluída de Como Eu Era, mesmo que naquele tempo Jojo Moyes não houvesse escrito seu best-seller e, portanto, não existisse nenhuma possibilidade de se fazer um filme sobre um livro que nem projeto era. Mar Adentro tinha aquela cena hollywoodiana – para mostrar o personagem privado de movimento, o que ele perdeu, a câmera saía voando pela janela, com direito a muita música, etc. e tal. Lembrem-se de Yoda, pendurado naquele galho, em O Império Contra-Ataca, aliás, Star Wars – Episódio V? Pois é. Pode-se mover o mundo só com a imaginação, Yoda dizia – e Amenábar mostrava. Meio óbvio, não? É tudo que Thea Sharrock não quer fazer.

Thea fez história ao tornar-se, aos 24 anos, a mais jovem diretora de uma instituição de teatro na Inglaterra, a London Southwark Playhouse. Nada a ver com o fato de ser mulher. Nenhum homem ocupou um cargo assim importante tão jovem. Thea não precisa de efeito. Basta um ator – belo, sensível -, Sam Claflin. Sentado (claro), sem se mover, sem chorar, ele conta à sua cuidadora o que perdeu. Lembra esse momento, sentado num café de Paris, vendo as moças passarem, e elas olhando para o bonitão. E, depois, quando a cuidadora, decidida a fazer com que ele mude de ideia e desista da eutanásia, o leva numa viagem em busca de sensações de prazer, Will – é seu nome -, com ‘Clark’ (Emilia Clarke, de Game of Thrones) sentada em seu colo, diz o que gostaria de fazer com ela. De novo ele não chora, não tem música de fundo para criar armadilhas sentimentais. São cenas secas, dolorosas, reais.

Para quem vive de salário mínimo e tem de sustentar a família, como Louisa Clark, pode soar mal dizer que dinheiro não compra tudo, não compra a felicidade. Com certeza não compra a leveza daquele dia em Paris, que a gente não vê, só ouve. A pergunta que não quer calar – existe uma sensibilidade feminina no cinema? Mulheres (diretoras) detestam discutir isso, mas existe. Só uma mulher, Agnès Varda, faria Le Bonheur/As Duas Faces da Felicidade daquele jeito. Só uma mulher (Sam Taylor-Wood) para entender, e expressar, o trauma de Jamie Dornan – uma versão masculina da Marnie de Hitchcock – em Cinquenta Tons de Cinza. Só Thea Sharrock para construir o olhar de Will. Pois Como Eu Era é sobre isso. O olhar do aristocrata ferido sobre o patinho feio, a forma como ele lhe fornece ferramentas para desabrochar. Tudo o que vem depois é consequência. Um outro café em Paris, um perfume. Como Ingmar Bergman, Thea acredita que a vida é bela. Quatro mulheres num jardim em Gritos e Sussurros. Um homem, uma mulher num café em Paris. O cinema é mágico, quando o diretor, ou diretora, é grande.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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