Grupo carioca apresenta a Missa dos Quilombos na Ópera de Arame

Palácio transparente das formaturas da classe média curitibana, a Ópera de Arame, será palco hoje e amanhã de um espetáculo dedicado aos “brasileiros excluídos”: o musical Missa dos Quilombos, com a companhia carioca Ensaio Aberto, que a Fundação Cultural de Curitiba convida para a comemoração dos dois anos do projeto Mutirão Cultural. A apresentação de hoje será gratuita e exclusiva às lideranças comunitárias da cidade, enquanto a de amanhã será aberta ao público.

Idealizada por Dom Hélder Câmara e composta no início dos anos 80 por Milton Nascimento, Pedro Casaldáliga e Pedro Tierra, a montagem multimídia leva para o palco 12 atores, oito cantores, seis músicos e cenários surpreendentes para contar a saga dos excluídos. Tradicionalmente ligada às causas sociais, a companhia do diretor Luiz Fernando Lobo se identificou com a proposta do Mutirão Cultural. O projeto itinerante percorre todas as regiões da cidade com atividades culturais variadas, buscando descentralizar a cultura, garantir o acesso aos bens culturais, além de descobrir novos talentos locais.

Quem já assistiu a alguma apresentação da Missa dos Quilombos numa igreja confirma ser um momento único, uma espécie de epifania de mão dupla, que insere na sacralidade das catedrais a profana realidade em que vivem as vítimas de todas as opressões. O espetáculo também já foi encenado em praças e outros ambientes, mas jamais num teatro, lugar com algo de sagrado mas muito de profano.

A montagem parte dos negros para falar (ou dar voz a) todos os excluídos da sociedade moderna. “Não é só uma questão de raça. Como disse Heiner Müller, meus cúmplices são os negros de todas as raças”, define o diretor. Ele procura desfazer a idéia que muita gente pode ter ao ouvir a expressão “Missa dos Quilombos”: “Parece que vamos falar só dos velhos quilombos. Mas, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho, nunca houve tantos escravos no mundo como hoje. Só neste ano foram libertos no Brasil dois mil escravos, gente com trabalho não remunerado e obrigatório. O tema é mais atual do que nunca”. Os dados são do padre Ricardo Rezende, da linha progressista da Igreja Católica. Um texto dele está no programa da peça, assim como outro de Herbert de Souza, o Betinho, que aponta o absurdo de uma criança colher até uma tonelada de cana por dia no Brasil. São novidades coerentes com os versos dos dois Pedros (Casaldáliga e Tierra), e que cumprem o papel opinativo que uma homilia tem no ritual de uma missa.

Show

“Estamos tirando um pouco as características de show da Missa, porque ela nunca foi encenada num teatro. Mas ela continua seguindo a estrutura de uma missa”, observa Luiz Fernando, que foi assistente de direção de uma versão realizada em 1988, nos Arcos da Lapa. Essa estrutura inclui, entre outras etapas, um Rito Penitencial, um Ofertório, um Rito da Paz e uma Ladainha.

Sincretismo

Porém, nas suas 11 músicas, dentro das quais há vários trechos recitados, o vocabulário católico se alia a expressões africanas, numa fusão concebida exatamente para quebrar a barreira existente entre sacerdotes e população. Mas o Vaticano não concedeu a autorização para o ritual se tornar uma forma regular de celebração em igrejas católicas. Restaram as apresentações episódicas e o espírito de comunhão da Missa, que pede a igualdade dos povos e a justiça social, deixando claro que elas só podem chegar com consciência social e um tanto de rebeldia.

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Às 20h, na Ópera de Arame. Ingressos antecipados para a sessão de amanhã a R$ 15 e R$ 7,50, subindo para R$ 20 e R$ 10 amanhã. Informações pelo telefone (41) 3015-6259.

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