Estreia documentário sobre Vittorio De Sica

Seus documentários anteriores, sobre Marcello Mastroianni e Marco Ferreri, fizeram a ronda dos grandes festivais – Cannes, Veneza. Mario Canale e Annarosa Morri trabalham atualmente num documentário sobre a passagem do neorrealismo para a comédia, que marcou o cinema italiano nos anos 1950. Essa passagem está no centro da vida e obra de Vittorio De Sica, o grande diretor que eles retratam em outro documentário. “Vittorio De Sica, Sua Vida, Seus Amores” estreia hoje nos cinemas brasileiros. A dupla de diretores mal consegue acreditar. Na Itália, o documentário não teve vida cinematográfica. Foi feito para – e exibido na – TV. Mas eles acham que o próprio De Sica gostaria de ver o filme nos cinemas.

“O cinema italiano teve muitos artistas, grandes diretores, e De Sica foi certamente um dos melhores”, diz Annarosa, numa entrevista por telefone. “A Itália atravessa hoje um período de baixa estima cultural. Tem a ver com a situação política, com (Sílvio) Berlusconi, com o poderio da RAI (a grande emissora) na TV e no cinema. Num certo sentido, esse é um documentário de persistência, feito numa TV pequena, independente. Os italianos precisam se mirar no espelho de um homem íntegro, como foi De Sica”, explica a diretora.

Ela lembra o início da trajetória de De Sica – galã nos tempos dos filmes produzidos sobre o fascismo, ele fez a transição para o neorrealismo, sendo um dos precursores do movimento com “Siuscià” (Vítimas da Tormenta). “O filme causou tanto impacto, e não só na Itália, que nos EUA a Academia de Hollywood criou o Oscar de melhor produção em língua estrangeira para homenagear o diretor.” De Sica é um dos grandes vencedores da história do Oscar, tendo recebido quatro vezes o prêmio – as outras por “Ladrões de Bicicletas”, “Ontem Hoje e Amanhã” e “O Jardim dos Finzi Contini” -, mas o primeiro ainda nem tinha a denominação de melhor filme estrangeiro.

De Sica radicalizou o neorrealismo (em “Umberto D”), mas também abriu o movimento para o mágico e o cômico (“Milagre em Milão” e “O Ouro de Nápoles”). Cooptado por Hollywood, fez “Stazione Termini”, com Jennifer Jones, do qual não tinha orgulho. “Voltou à Itália, às origens, e retomou o neorrealismo com O Teto, mas não havia mais espaço para aquilo”, conta Canale. O neorrealismo surgiu num determinado momento, o pós-guerra, expressando as dificuldades técnicas e humanas que a Itália vivia. “Aqueles autores forçaram o povo italiano a se olhar num espelho. Umberto D, por mais duro que seja, está muito atual”, afirma o codiretor.

Prova disso é que Annarosa e Canale não tiveram dificuldades para reunir o impressionante casting de diretores internacionais que dão seu testemunho sobre De Sica – Clint Eastwood, John Landis, Pasquale Squittieri. A parceria com o roteirista Cesare Zavattini é lembrada e a colaboração com Sophia Loren e Marcello Mastroianni.