Espetáculo Memória usa elementos de obra-prima de Machado de Assis

A literatura e o teatro caminham lado a lado, como duas artes intrínsecas, siamesas. Prova disso é a montagem que estréia na quinta-feira próxima, dia 24, no Guairinha, Memória. O espetáculo, produção do Teatro de Comédia do Paraná do Centro Cultural Teatro Guaíra, tem direção de Moacir Chaves.

O elenco é formado por nove atores escolhidos após a realização de uma oficina teatral em junho deste ano, numa iniciativa do CCTG. Inscreveram-se 120 candidatos, 22 foram selecionados até chegar ao núcleo que subirá ao palco: Carlos Vilas-Boas, Kassandra Speltri, Katiuscia Canoro, Leandro Daniel, Patrícia Kamis, Renata Hardy, Rodrigo Ferrarini, Sidy Correa, Simone Magalhães.

A peça usa elementos da obra-prima do escritor fluminense Machado de Assis,  Memórias Póstumas de Brás Cubas. Porém, avisa o diretor, a peça não é a reprodução do livro, nem a condensação do enredo ou a questão dramática, mesmo porque o narrador está morto. ?Portanto, não há espaço para nenhuma dramaticidade do feitio, do caráter a que estamos acostumados. E muitas vezes as pessoas só sabem buscar isso, esses dois aspectos numa obra?, opina Chaves.

?A gente percorre o terreno do texto do Machado de Assis. Todo o material com o qual trabalhamos está ali?, continua o diretor. A questão ali é a abordagem da memória, da perenidade regendo as leis da sociedade. O foco está numa leitura machadiana mais aprofundada.

?Uma das coisas mais marcantes no texto do Machado é a relação com o modus de produção, com a escravidão?, observa Moacir Chaves. Embora haja um senso comum afirmando que o autor não se deteve nesse tema, basta debruçar-se em Memórias Póstumas para ver ali uma vida de maldade, que se sustenta na exploração de seus semelhantes mais humildes e os escravos.

As reminiscências desse tempo para os dias atuais refletem-se na realidade brasileira, que faz do país protagonista da maior desigualdade social do mundo. Ou seja, o sentimento escravocrata permanece. ?Isso é muito marcante na nossa sociedade brasileira?, atesta Chaves.

Essa situação foi passada para a encenação? À pergunta, responde o diretor que ?isso é todo o nosso trabalho. Nós estamos em cena porque estamos pensando nisso?. O texto de Memória, frisa ele, é inteiramente de Machado de Assis. Tudo que está ali consta do livro, mas obviamente houve uma seleção reunindo trechos diversos da obra.

Esse trabalho resultou numa dramaturgia que gerou um texto distinto. ?São só palavras do Machado, mas é o nosso texto?, detalha Moacir Chaves. ?A obra está muito ali e acho que está em sua essência. É um trabalho fidelíssimo ao Machado, creio eu. Tenho a pretensão de dizer isso?.

Teria a montagem um tom evocativo? Não. Está em cena a atualidade. Novamente o diretor: ?Memória não é o que trazemos à cena. Essa é a questão. Não estamos aqui para trazer nada de outro lugar nem de outro tempo. Isso que nós trazemos não é do século XIX, é do nosso tempo, do nosso século. Somos nós mesmos, pensando sobre as nossas vidas?.

Tem mais: a peça não é a representação metafórica do Brasil, mas uma reflexão sobre ele. ?Nós estamos pensando sobre ele e sobre nós mesmos o tempo todo?, finaliza.

Memória. Direção de Moacir Chaves; cenários de Fernando Mello e figurinos de Fernando Marés. Iluminação de Aurélio de Simoni. Produção do CCTG Elenco: Carlos Vilas-Boas, Kassandra Speltri, Katiuscia Canoro, Leandro Daniel, Patrícia Kamis, Renata Hardy, Rodrigo Ferrarini, Sidy Correa, Simone Magalhães. De 24 de agosto a 24 de setembro, de quinta-feira à sábado às 21h e domingo às 19h, no Guairinha. Ingressos: R$ 10,00 R$ 5,00 (estudantes, classe artística e maiores de 60 anos).

Moacir Chaves

Moacir Chaves, além de ator de teatro, cinema e televisão (atuou em Laços de Família, na TV Globo, em 2000), é também respeitado diretor teatral. Leva sua assinatura em mais de 30 espetáculos, sendo o mais recente deles Lavanderia Brasil, de Miguel Paiva e Zé Rodrix, em cartaz no Rio de Janeiro. A partir de quinta-feira soma-se mais um título à lista: Memórias, produção do TCP, a partir do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.

Esta é a segunda vez que Chaves envereda no texto machadiano. Anteriormente trabalhou um conto do escritor em Viver! Utilizar-se da literatura na montagem teatral é um dos caminhos do artista, que também dirigiu Utopia, a partir do texto de Thomas More, no ano passado, e Idiotas que Falam Outra Língua, um conto de Rubem Fonseca. O poeta Manoel de Barros teve seus versos apresentados em Inutilezas, com Bianca Ramoneda e Gabriel Braga Nunes. Na área musical fez a direção de Dom Quixote e a Duquesa, ópera de Boismortier. Desde 2001  Moacir Chaves responde pela intendência do Teatro Planetário – Maria Clara Machado.

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