Entre a cruz e a espada

Religião não se discute, mas sempre rende um bocado de discussão. Principalmente quando vira assunto de novela. Para evitar a interpretação equivocada de algumas práticas religiosas e, conseqüentemente, a ira de grupos fiéis, os autores se equilibram numa autêntica "corda bamba" em busca da melhor abordagem. Walcyr Carrasco que o diga. Antes de escrever Alma Gêmea, que discute conceitos espiritualistas sobre a reencarnação, leu e releu diversos livros de Allan Kardec. Mas, para não afugentar os céticos, criou uma personagem, a Agnes, de Elizabeth Savala, como contraponto. "É uma novela assumidamente religiosa. Por isso, procuro escrever com honestidade. Mas quem não é místico pode ficar somente com a história de amor", pondera.

Uma das maiores preocupações dos autores é justamente não afugentar o público que não acredita nas religiões que estão sendo retratadas. Um bom exemplo disso é Antônio Calmon. Em Começar de Novo, ele procurou não exagerar na "participação" de São Miguel Arcanjo para não ofender e nem afastar pessoas de outras crenças. Mas esse não foi o único motivo pelo qual o anjo da novela não alçou vôos maiores. Para Calmon, o milagre funciona mais como recurso dramático do que propriamente como elemento religioso. "Nesses tempos sombrios e sem esperança em que vivemos, qualquer conteúdo espiritual é bem-vindo", filosofa.

 O autor Walter Negrão compartilha da mesma opinião que Calmon. Ele acredita que a novela é o melhor veículo que existe para ajudar o ser humano a se desenvolver espiritualmente. Só que, em vez de defender uma religião específica, prefere mostrar o que chama de "boas condutas" através de uma personagem religiosa, como a mística Francisquinha, de Como Uma Onda. "Meu maior cuidado é dar credibilidade ao personagem. Assim, mostrarei para o telespectador que a fé pode nos ajudar a melhorar", teoriza.

 Já Glória Perez não se preocupa apenas em retratar a importância da fé. A novelista gosta mesmo de pegar um tema e polemizá-lo ao máximo. Em América, por exemplo, o personagem Tião, interpretado por Murilo Benício, viverá uma experiência de quase-morte. Para mostrar os muitos lados do tema, a autora conversou com estudiosos da religião espírita. "Gosto de tornar de domínio público as questões restritas a grupos fechados", explica ela.

 Carlos Lombardi, por sua vez, nunca teve a intenção de defender ou propagar uma corrente religiosa específica em suas tramas. Apesar de sempre escrever personagens que possuem alguma crença, nenhum deles aborda propriamente o assunto. Para ele, um personagem ter religião é como torcer para um time de futebol. "É apenas uma característica do personagem que o individualiza, ao mesmo tempo em que o coloca dentro de um grupo específico", minimiza. Já Aguinaldo Silva só investe pesado no assunto quando a história pede. Por conta disso, fez uma vasta pesquisa para falar sobre orixás em Tenda dos Milagres, de 1985. Na época, chegou a visitar terreiros de candomblé. Especializou-se tanto no tema que retomou a discussão em Porto dos Milagres, de 2001. "Não podia desdenhar e nem falar bobagem. Por isso, levei o tema muito à sério", explica.

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