Em Belíssima, árvores genealógicas e idades são, no mínimo, confusos

Já se vão sete anos desde a exibição de Torre de Babel, de 1998. Mas ao que parece, Sílvio de Abreu, autor daquela trama, continua atraído pela miscelânea geral. Mais do que a reunião de tipos de várias partes do mundo, em Belíssima o autor mistura núcleos familiares ao melhor estilo "família unida mora sob o mesmo teto" e se embola nas datas em uma combinação bizarra. Assim, gregos, turcos, tios, genros e agora um misterioso filho bastardo absurdamente temporão perfilam-se entre os estranhos ingredientes dessa familiar e atemporal "salada".

Espécie de amostra desse mosaico típico do universo de Silvio de Abreu, o lar do casal formado pelo turco Murat Güney, de Lima Duarte, e pela grega Katina, de Irene Ravache, reúne boa parte da fauna globalizada da novela. A começar pelo próprio casal, já que gregos e turcos são inimigos históricos. E, assim como acontece com gregos e turcos reais, os dois brigam, "esperneiam" com todos os gestos e expressões dramatizados que lhes são característicos , mas acabam se entendendo. A descendência da família Güney que vive toda na mesma "mansão de vila" não foge à influência. Além de Murat e Katina, lá ainda moram três filhos, sendo um bastardo, cinco netos, uma empregada nordestina, além do gato Mustafá que, com prudência felina, desapareceu.

A residência dos Güney compreende, ela própria, um outro microuniverso globalizado, capitaneado pela personagem Safira, de Cláudia Raia. A filha do meio de Katina e Murat, qual uma parabólica poliglota da Vila Paulista, é dona de um histórico matrimonial singular. Primeiro, casou-se com um italiano. Depois, com um português. Mais tarde, desposou um judeu. Em seguida, voltou para o primeiro italiano. Atualmente, vive uma crise em seu quinto casamento, com o japonês Takai. Dessa coleção de bodas nasceram os três filhos de Safira: a italianinha Giovana, a portuguesinha Maria João e o judeuzinho Isaac, sem contar os dois filhos já crescidos de Takai, indispensável contribuição oriental ao caráter cosmopolita da família.

Não menos estranha é a mansão dos Assumpção. A residência de Bia Falcão, de Fernanda Montenegro, recebe a todos que precisam de um pouso nem tão seguro. A começar pela própria Júlia Assumpção, de Glória Pires, herdeira milionária da fábrica Belíssima. Ela vive brigando com a avó dominadora, mas incompreensivelmente, não investe parte de sua imensa fortuna na compra de sua própria casa. O Tio Gigi, de Pedro Paulo Rangel, é outro que tem dinheiro, vive às turras com a irmã mas não "larga o osso". Como se não bastasse ter que aturar os parentes, a "generosa" Bia foi obrigada a abrigar o genro indesejado André, de Marcello Antony. Pior: em plena noite de núpcias do rapaz com sua neta.

Se a mansão comandada por Bia Falcão é uma singular "pensão dos bacanas", a vida pregressa da vilã é algo ainda mais improvável. Considerando a hipótese de que cada uma das mulheres da família Falcão foi mãe aos 18 anos, as contas parecem não "bater". Se Érica, de Letícia Birkheuer, voltou de Londres, teoricamente, formada em Administração de Empresas, a personagem tem, no mínimo, 20 anos de idade. Para ter uma filha de 20 anos, sua mãe, Júlia, de Glória Pires, teria, pelo menos, 38 anos. Logo, a falecida mãe de Júlia, Stella, estaria hoje com cerca de 56. Bia Falcão, portanto, tem ao menos 74 anos de idade e um filho bastardo de 30! Não soa muito verossímil que uma avó milionária de 44 anos – sua neta Julia teria pelo menos uns oito anos quando nasceu o tio desconhecido – engravide sem querer, desapareça por um ano – período em que se mudou para uma fazenda para ocultar a gravidez – e depois deixe o filho num orfanato. Tal comportamento só caberia numa adolescente da década de 50, temente dos preconceitos de uma sociedade que ainda valorizava conceitos atualmente em desuso, como a virgindade feminina antes do casamento. Em plenos anos 70, numa quarentona rica, já avó e na época mãe de uma bem-sucedida top model, é absolutamente injustificável.

Além dos pandemônios idiomáticos e genealógicos, outras insuspeitas relações contribuem para o tempero "non sense" na trama de Sílvio de Abreu. O tal "quatrocentão" Tio Gigi, por exemplo, tem entre suas amizades duas ex-vedetes chamadas Guida Guevara e Mary Montilla Íris Bruzzi e Carmem Verônica, respectivamente , que nos áureos tempos formaram a dupla "Os Furacões de Cuba". Não obstante, Belíssima tem um garoto de programa obcecado pela priminha gostosa, um grego errante que vive abrigado com ex-meninos de rua e a simbiose pessoal e intraduzível de Pascoal e Jamanta. Aliás, se o autor Sílvio de Abreu não souber no que vai dar tudo isso, com certeza Jamanta sabe.

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