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‘Disfuncional, como quase todas as famílias’

Entrevista: Christian Dunker – psicanalista e escritor

Por que um desenho sobre uma família normal ressoa tanto na nossa psicologia?

Eles são uma família normal, mas extremamente disfuncional, como quase todas as famílias. Já dizia Tolstoi: “Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”. Ser uma família reconhecível é importante para fisgar nossa identificação, mas ela vai mostrando como somos malucos, ridículos, nos deixamos levar por ideias infantis, desejos que nos extrapolam, monomanias.

‘Os Simpsons’ foram feitos sob medida para a sociedade americana, mas dialogam com o Brasil?

Os Simpsons representa uma crítica dos costumes da sociedade americana, na linha de Desperate Housewives, sobre como pode ser asfixiante a vida em uma cidade pequena como Springfield, onde todo mundo se mete na vida alheia, há um controle social muito forte. É diferente de como essa família é lida pelo brasileiro, filtrada pela ideia de que estamos também falando da relação que temos com os americanos, do que importamos de sua cultura. Em geral, para o brasileiro, há uma mistura de Hollywood, dos grandes ídolos, mas também olhamos para o americano como alguém ingênuo, que não suporta certas adversidades que o brasileiro absorve e que nos torna mais espertos e orientados para ler a maldade.

Pelo fato de ser uma animação, nós aceitamos mais facilmente as situações apresentadas?

Esse é um tema bem antigo na psicanálise. Freud fazia muitas analogias com a caricatura. Para ele, era a arte do superego, porque nos permite deformar, exagerar e, ao mesmo tempo, nos proteger da realidade. Pegamos um traço e o expandimos de tal maneira que possamos rir dele. Aquele traço que nos importuna, que é intolerável, se torna risível. Isso me parece muito funcional, explica um tanto do sucesso da série que, se fosse dizer o que diz numa chave mais realista, provavelmente causaria repúdio do nosso conservadorismo. Vamos imaginar na novela das 9 alguém dizendo que “o casamento é o caixão e os filhos são os pregos”. Seria um choque para nossa crença na família. Mas se você faz isso sair pela boca de uma caricatura, consegue assimilar essa verdade sem brigar com ela nem sentir que ela ofende seus valores.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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