Desonestos, até prova em contrário

Pois é. Como diria aquele americano, amigo do Amorin, nós, brasileiros, devemos ser um povo muito rico mesmo, pois permitimos que a Administração nos oprima com um sem número de impostos superpostos, sem nos dar quase nada em troca… O cidadão faz sua declaração de “vencimentos”, que o fisco chama, ladinamente, de “rendimentos”. Verifica que pagou muita grana para um leão voraz e insaciável, e tem, apesar de tudo, apesar de uma tabela injusta, alguma restituição a receber. Menos mal! Passam-se os meses, e se anuncia o primeiro lote. O nome da pobre vítima não está ali. Como não estará no segundo, nem no terceiro, nem… Consulta o “site” próprio, e lá está dito que sua declaração está “na base de dados da SRF. Consulte o próximo lote…” Vira o ano, mas ele não tem qualquer notícia de seu rico dinheirinho “confiscado”. Fica muito fácil para o Fisco pensa seu José alegar “malha fina” e, simplesmente, sem mais nem menos, sem qualquer explicação, plausível ou não, reter nosso dinheiro por meses e anos, a juros ridiculamente baixos. É um empréstimo compulsório disfarçado! “Vamos reter o dinheiro deles! – deve pensar o Fisco – Devolvemos os valores mínimos e retemos os mais significativos. No frigir dos ovos, é provável que todos eles estejam sonegando mesmo, de alguma forma…”

Na virada do ano, seu José da Silva já tem uma certeza: foi contemplado pela sorte. Sua declaração ficou presa na malha fina. Consulta o enésimo lote, e nada. Até que, um dia, recebe intimação para comparecer à sede da Receita e levar os comprovantes de despesas médicas. Vai o contribuinte munido dos recibos originais. Seu José da Silva perde quase toda a tarde, porque, ali, há somente uma moça para atender as pessoas, já que os funcionários da repartição continuam em greve. Enfim aleluia! nosso herói é atendido. Mas, os recibos originais das despesas com dentista não são suficientes. É preciso levar também comprovante de pagamento de planos de saúde e o escambau… Mas, minha senhora, esse comprovante que a senhora pede é a própria declaração do órgão competente do Tribunal, que tem fé pública! Está juntado à minha declaração de “rendimentos”! A resposta autoritária vem curta e grossa, mais grossa do que curta:

– Nós não temos aqui seus documentos. Tudo é centralizado em Brasília! Volte amanhã, sem falta. Se deixar para depois de amanhã, o senhor vai encontrar as portas fechadas, por causa da greve…

Melhor não discutir. A seu redor, em toda parte, seu José percebe uma ameaça velada. Aliás, nem tão velada. Dizeres, mais ou menos assim: “Desrespeitar o funcionário é crime previsto na Lei Tal”; “Sonegar informações constitui crime punido com tais e tais penas”. E outras tantas. Seu José engole em seco sua revolta. Está perdendo a paciência. O que ele queria mesmo era gritar para aquela moça, para toda a repartição, para todo o mundo, que ele é um cidadão honrado, um funcionário que merece o respeito do poder público. Desconfiados de sua retidão de caráter, perdem tanto tempo com ele, simples assalariado, que é íntegro, enquanto deixam escapar os verdadeiros pilantras, que assaltam o erário, levando milhões para os paraísos fiscais. Primeiro, o cidadão antecipa o pagamento do imposto. Depois, vem a retenção do que devia ser-lhe devolvido… Mas, seu José se cala. O bom cabrito não berra pensa ele.

E, obediente, volta no dia seguinte. Perde a tarde inteirinha. Aquela moça continua lá, atendendo sozinha as pessoas que estão sentadas ali na sala, quietinhas, sem um queixume, conformadas como ovelhas a caminho do matadouro.

Final da tarde, final da fila. Aleluia, seu José! Chegou sua vez. Conferidos os documentos, tudo anotado, tudo fotocopiado. Tudo em ordem! Agora, é só aguardar o processamento em Brasília, e botar a mão no dinheiro. Mas, quando?

Passam-se meses, e nada. Ninguém lhe dá qualquer explicação. No famoso “site”, dezenas de vezes consultado, continua consignado que sua declaração “está na base de dados da SRF. Consulte o próximo lote”… Por telefone, não se consegue linha ou não sabem informar.

Será que não se trata mesmo de um empréstimo compulsório? Mas, é assim que deve o órgão arrecadador tratar o contribuinte assalariado, que alimenta essa fera insaciável com o fruto de seu trabalho honesto? É justo, por acaso, ficar o Fisco com o dinheiro do contribuinte por dois anos sem dar qualquer explicação? Ah! Já sei! Eles vão corrigir a restituição pela Selic… Muito obrigado! Ninguém merece! O que o assalariado quer é seu dinheiro de volta, já! O que ele quer é um mínimo de respeito e consideração!

Ou será que é pedir demais? Parece até que o Fisco inverteu a ordem das coisas, ao considerar o contribuinte como desonesto, até prova em contrário! Não é mesmo, seu José?

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