Depressão, segunda causa de anos perdidos de vida saudável

No século XXI, marcado pela presença de grandes descobertas tecnológicas, do destaque de diversas denominações religiosas e de avanços científicos que podem diminuir a dor humana, o sofrimento está em todos os lugares. Ele se encontra nas ruas, entre os executivos, nos hospitais, nas escolas, nas famílias, entre os religiosos e cientistas. Mais difícil é saber onde ele não está. Uma das formas de sofrimento é a depressão.

Lucimara Wolf, psicóloga que atua na linha psicanalítica, tem diversos trabalhos apresentados, como O desejo e Pulsão de morte. Ela me disse que a procura de alívio para o sofrimento por parte de muitas pessoas tem causas como depressão, angústia, tristeza, perda de um amor, perda de um ente querido, perda de emprego, perda de posição social, síndrome do pânico, fobias, anorexias, bulimia, obesidade, alcoolismo, drogas, impotência sexual, entre outros.

Um tema de considerável importância mereceu maior aprofundamento. Solicitei-lhe conceder-me entrevista para aprofundá-lo. Comecei por uma das causas bastante referenciadas na atualidade, a depressão. De acordo com as estatísticas apresentadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 340 milhões de pessoas sofrem de depressão em todo o mundo e em 2020 ela será a segunda causa mundial de anos perdidos de vida saudável.

Zélia – Como define a depressão?

Lucimara – A depressão é uma doença que depende de uma predisposição genética. Também com raízes existenciais, a depressão é um dos grandes males da humanidade. Sob a denominação depressão, designa-se habitualmente o quadro clínico caracterizado pela presença de elementos diversos: tristeza, inibição psicomotora, auto-acusação, visão pessimista da vida, entre outros.

Zélia – Existem causas orgânicas?

Lucimara – As depressões podem ser psicogênicas e orgânicas. Apesar da psicanálise se ocupar das depressões psicogênicas, o fator orgânico já foi contemplado por Freud na teoria geral da produção das enfermidades mentais, ao introduzir o conceito de séries complementares e, no caso particular da melancolia, no trabalho Luto e melancolia.

Zélia – Como age o psicólogo (a) ou o (a) psicanalista se a depressão for de origem orgânica?

Lucimara – O fato de uma depressão ser de origem orgânica não exclui a analisabilidade das idéias que apresenta o (a) paciente sobre a inserção das mesmas em sua vida. Mesmo quando o fator determinante seja o somático e os esquemas afetivos evoquem as idéias que lhes são correlativas, estas não poderão senão construir-se com o que o sujeito dispõe, e serão sempre idéias adquiridas em episódios significativos de sua vida e que, portanto, poderão remeter aos mesmos.

Zélia – Como age para melhor compreender as depressões em suas consultas?

Lucimara – Procuro seguir as orientações de Freud. Em Luto e melancolia (1917) ele deixa claro que se deve diferenciar alguns aspectos quando se procura uma compreensão das depressões. Freud diz que ?o luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, ou à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante. Em algumas pessoas, as mesmas influências produzem melancolia em vez de luto; por conseguinte, suspeitamos que essas pessoas possuem uma disposição patológica?.

Zélia O luto é patológico?

Lucimara – Freud esclarece que o luto, por mais intenso que seja, é uma condição normal da vida, assim não é algo patológico. Não deve ser submetido a um tratamento médico. O luto deve ser superado com o tempo, por mais difícil que possa ser.

Zélia – E o que Freud recomenda a respeito da melancolia?

Lucimara – Em relação à melancolia, Freud aponta para traços característicos: desânimo profundo, falta de interesse no mundo, perda da capacidade de amar, diminuição da auto-estima e comportamentos de auto-recriminação. Para diferenciar o luto da melancolia, Freud diz: ?A perturbação da auto-estima está ausente no luto?.

Zélia – Qual a atuação do (da) psicólogo (a) ou psicanalista na cura da depressão assim como de outros sintomas?

Lucimara – Freud afirma em Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise (1932) que a ?psicanálise é a mais poderosa de todas as terapias?. A análise produz efeitos curativos, produz efeitos de diminuição e até desaparecimento do sofrimento do paciente. São efeitos que se produzem em vários momentos do tratamento, às vezes depressa demais, desde as primeiras entrevistas, às vezes mais tarde, depois do término do tratamento. Esses efeitos existem e constituem um dos maiores resultados que podemos esperar de uma análise.?

Zélia – Qual a sua opinião em relação à cura?

Lucimara – Todo analista, independentemente de sua formação e sua orientação, tem uma responsabilidade: esperar uma melhora nas posições subjetivas e objetivas do seu analisando. Não podemos dizer que a cura, compreendida como diminuição ou desaparecimento do sofrimento ligado aos sintomas, seja um conceito psicanalítico, nem que ela seja um objetivo que o tratamento deva atender, nem um critério que nos permita avaliar os seus progressos. Freud usava uma frase do cirurgião francês Ambroise Pare: ?Je le pansai, Dieu guérit? -?Fiz-lhe os curativos: Deus o curou?.

Zélia – Lacan teria dito a mesma coisa?

Lucimara – Lacan teria completado dizendo: ?Eu o escuto e a psicanálise o cura… por acréscimo?. Lacan repetia muitas vezes essa fórmula da cura compreendida como a supressão do sofrimento dos sintomas e limitada a ser um efeito produzido por acréscimo. Diz Lacan: ?A cura é um benefício por acréscimo do tratamento psicanalítico; ele (o analista) se abstém de todo abuso do desejo de curar?.

Zélia – Em uma intervenção, publicada em La Psychanalyse n. 4, de 5 de fevereiro de 1957, Lacan fala da cura como um ?benefício por acréscimo?. Como isso ocorre na prática psicanalítica?

Lucimara – Lacan retoma muitas vezes a expressão ?por acréscimo? para marcar um ?algo mais?, um ?além disso?. Um além de alguma coisa que já estaria adquirida. ?Adquirida?, que se deve entender como a própria relação analítica, como o engajamento transferencial entre o analisando e o analista. Concluindo: A cura não é um objetivo que o analista deve atingir, mas um efeito secundário da análise.

Outras informações podem ser obtidas pelo e-mail lu_b_wolf@hotmail.com, telefone: 3357-0698 ou à Rua Gago Coutinho, 165, bairro Bacacheri, em Curitiba-PR.

Zélia Maria Bonamigo é jornalista, mestre em Antropologia Social pela UFPR, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.

zeliabonamigo@terra.com.br

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