De tão pura, arte de Mizoguchi lava os olhos

Ozu, Kurosawa, Kobayashi. Existem grandes diretores japoneses que se tornaram objetos de culto no Ocidente. Ozu, foi descoberto graças a autores como Wim Wenders e Jean-Luc Godard e a estudiosos como Donald Ritchie. Até poucos dias atrás você podia rever o deslumbrante Era Uma Vez em Tóquio e comparar o filme de 1953 com a versão de Yôji Yamada, Família em Tóquio, ambas em cartaz nos cinemas. E, claro, para ampliar seu conhecimento do cinema japonês existe agora o pacote da Versátil, com três DVDs e cinco filmes de Kenji Mizoguchi.

Cinco! São filmes que cobrem desde os anos 1930, quando Mizoguchi define seu estilo à base de elaborados planos-sequências, até as obras-primas da fase final, nos anos 1950. O pacote inclui uma hora de extras, incluindo análise do crítico Sérgio Alpendre. As obras selecionadas compõem uma minúscula fração do que Mizoguchi criou. Ele morreu de leucemia em 1956, aos 58 anos. O primeiro longa data de 1922, quando F.W. Murnau estava fazendo na Europa o seu Nosferatu. O primeiro Mizoguchi chama-se O Dia em Que o Amor Triunfou, e se trata de um título enganoso, se alguém quiser usá-lo como síntese para o desenvolvimento da obra do diretor. O amor raramente triunfa, ou melhor, só triunfa na morte em seu cinema. Escolhendo retratar a sociedade do ângulo das mulheres, ele mostra como elas, imperatrizes ou prostitutas, são massacrados no mundo dominado pelos homens.

Mizochi filmou muito – nove filmes em 1923, dez no ano seguinte, uma média de sete ou oito em 1925, 26, 27. Mesmo no período posterior à 2.ª Grande Guerra, quando atinge a plena depuração de seu estilo, Mizoguchi nunca deixou de fazer um a dois filmes por ano, todos os anos, entre 1950 e 56. No total, dirigiu 94 filmes. O pacote resgata em torno de 5% do que produziu. Apesar das diferenças, os filmes são similares, e todos grandes.Os críticos deliram com os planos-sequências que já vinha usando antes da revolução estética de Orson Welles (e Greg Tolland) em Cidadão Kane e Soberba (The Magnificent Ambersons), no começo dos anos 1940. Embora complexos, não só pelo movimento da câmera e pela duração, mas também pela disposição dos atores dentro do espaço e pelo cuidado cenográfico, parecem simples – são elaborados para parecer assim.

O diretor conferia liberdade a seus atores, e cabia à câmera segui-los no espaço armado no set. Parece inconcebível como método, mas assim era. E quando Mizoguchi, enfim, descobriu a cor – e a utilizou bem no fim da vida -, a suntuosidade plástica enche a tela (e os olhos do espectador). Mas que ninguém se engane. A plasticidade é mais uma ferramenta para representar o mundo cruel. O Mizoguchi dos anos 1930 é um autor moderno, contemporâneo. Faz o que, no Japão, se chama de gendai-jekis. Com o tempo, e após a guerra, sem abrir mão da forma – da sua mise-en-scène -, ele se volta para a tradição e faz filmes de época, até mesmo de sabre, os jidai-jekis. E é sempre um realista detalhado e minucioso, mesmo quando integra os fantasmas de Contos da Lua Vaga, de 1953, à existência cotidiana das pessoas.

Não há viés fantástico nesta história que marcou a descoberta de Mizoguchi pelo Ocidente. Acompanha dois irmãos que vão vender suas cerâmicas na cidade. Um deles torna-se samurai, o outro, vira comerciante e descobre que a mulher que o acolheu em seu palácio é, na verdade, um samurai. Quase 20 anos antes, As Irmãs de Gion mostra duas gueixas de Kioto. Desenvolvem diferentes atitudes perante os homens. Uma é submissa; outra é voluntariosa e possui um comportamento protofeminista. Isso não impede que ambas tenham o mesmo desenlace infeliz.

Mulheres são sofredoras – a viúva de Senhorita Oyu, de 1951, convence a irmã a se casar com o homem que a ama, para que ele permaneça perto dela, já que os dois não podem se unir. A Vida de Oharu, no ano seguinte, é sobre a filha de um samurai que se une a homem de casta inferior.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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