A Cinemateca de Curitiba, uma das unidades da Fundação Cultural de Curitiba, completou 30 anos de existência ontem, 23 de abril. Para comemorar três décadas de atuação, preparou uma programação especial que contempla exibição gratuita de filmes de seu acervo e palestras com especialistas em cinematografia, além de um curso prático de cinema (veja abaixo a programação completa).
?A Cinemateca de Curitiba é um divisor de águas na cultura do cinema paranaense?, afirma Francisco Alves dos Santos, atual coordenador do espaço. ?Ela permitiu o surgimento de novos cineastas e, até hoje, mantém a proposta social de colocar ao alcance das comunidades tanto a apreciação como o fazer cinematográfico.? Francisco lembra que o prestígio conquistado pelo trabalho da Cinemateca propicia a realização de cursos e palestras, com a presença de nomes nacionais e internacionais da área cinematográfica. Também a difusão da melhor produção do cinema de diversos países é uma das metas da Cinemateca. Fundada em 1975, com o nome de Cinemateca do Museu Guido Viaro, a Cinemateca de Curitiba forma ao lado da Cinemateca do MAM Museu de Arte Moderna (RJ) e da Cinemateca Brasileira (SP) as três únicas instituições do gênero reconhecidas no Brasil.
Tudo foi idealizado
Prédio onde está instalada a nova sede da Cinemateca. |
Nascida de projeto idealizado por Valêncio Xavier e executado pela Fundação Cultural de Curitiba, a Cinemateca surgiu como reflexo de uma sociedade que rompia as amarras da ditadura militar. Os objetivos principais eram a pesquisa, a recuperação e a formação de acervo de filmes produzidos no Paraná, cursos e incentivo à produção cinematográfica, exibição e difusão do cinema artístico, especialmente a produção nacional.
Instalada na antiga sede do Museu Guido Viaro, na Rua São Francisco, a Cinemateca contava com uma sala de projeção que tinha o nome do falecido crítico de cinema e incentivador da atividade, Arnaldo Fontana. Começou a funcionar com dois projetores de 16mm, um de 35mm e uma moviola de 16mm. Foram recuperados filmes raros que representavam as primeiras expressões da arte cinematográfica no Paraná.
Enquanto o setor de pesquisa trabalhava com afinco para resgatar a história do cinema paranaense, novos talentos eram revelados. Dois trabalhos realizados com o apoio da Cinemateca foram publicados no início da década de 1980 pelo Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro: Jacarezinho, a cidade rainha do Norte, de Solange Stecz, e O cinema em Curitiba – 1897/1912, de Gisele Carvalho, Patrícia Nasser e Wânia Szazzi.
Muitos freqüentadores da Cinemateca alcançaram sucesso como cineastas, entre eles Fernando Severo, os irmãos Wagner (Ingrid, Rosana, Elisabethe e Helmut Jr), Nivaldo Lopes, Berenice Mendes, Rui Vezaro, Homero de Carvalho, Peter Lorenzo, Fernanda Morini, Beto Carminatti, Lu Rufalco e os irmãos Schumann (Willy e Werner).
Alguns filmes produzidos ou co-produzidos pela Cinemateca receberam prêmios em festivais nacionais. Exemplos são A Lenda dos Crustáceos (1976), de José Augusto Iwersen, melhor filme de ficção na V Jornada Brasileira de Curta-Metragem; Ensaios (1977), dos irmãos Wagner, melhor filme de animação no Festival Super 8 de Campinas; Metamorfose (1977), também dos irmãos Wagner, melhor documentário no Super Festival Nacional de Super 8 de São Paulo.
Na relação ainda estão Foi pena que… (1978), igualmente dos irmãos Wagner, melhor filme de animação no Festival Super 8 de Campinas; e Cicatrizes (1980), de Francisco Alves dos Santos, prêmio de melhor filme em 16mm e melhor filme do Festival de Cinema Amador de Osório (RS), premiado também no Festival Nacional de Alagoas e selecionado para a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Na década de 1980, a proposta de produção cinematográfica local é reforçada. Em 1984, Curitiba sediou um concurso de projetos de curtas-metragens, numa iniciativa da Cinemateca e da Associação de Cineastas do Paraná, em convênio com a Embrafilme. A promoção deu origem ao filme em 16mm O mundo perdido de Kozàk, de Fernando Severo, e Respeitável público, desenho animado 35mm dos irmãos Wagner.
É importante também destacar as inúmeras mostras promovidas em parceria com várias instituições como o Instituto Goethe, Aliança Francesa, Consulado do Chile, MIS-Museu da Imagem e do Som de São Paulo, Instituto Brasil-Israel, Fundação Japão e Consulado Geral do Japão.
Novas instalações
A nova sede da Cinemateca, na Rua Carlos Cavalcanti, 1.174, possibilitou espaço adequado ao acervo de filmes e à documentação para pesquisa, bem como melhores condições para mostras de cinema. Ela foi inaugurada em 22 de abril de 1998, com o filme Boleiros era uma vez o futebol, de Ugo Giogertti. As instalações definitivas fizeram com que a Cinemateca de Curitiba voltasse a ser uma referência para os amantes do cinema, oferecendo uma cuidadosa programação de filmes e um vasto material de pesquisa sobre cinema brasileiro e produções locais.
Com área de 1,2 mil metros quadrados, a Cinemateca é composta por duas casas do setor histórico da cidade totalmente restauradas e adequadas às funções, além de um prédio especialmente construído para abrigar a Sala João Batista Groff, com 104 lugares. O público tem acesso também à Sala Limite, preparada para a exibição de vídeos e que possui 25 lugares.
Memória do Paraná
O acervo da Cinemateca de Curitiba é a memória cinematográfica do Paraná. São mais de mil títulos em celulóide e cem rolos de filmes com base de nitrato de prata. As instalações permitem as condições ideais para a conservação dos filmes, principalmente aqueles à base de nitrato, que são muito sensíveis e exigem temperatura em torno de 15 graus Celsius.
Entre as películas recuperadas pela Cinemateca de Curitiba estão as primeiras expressões da arte cinematográfica paranaense como Panorama de Curityba e Carnaval de Curityba, realizados pelo pioneiro Annibal Requião, nas duas primeiras décadas do século XX; Desfile do Tiro Rio Branco (1910), de Paschoal Segretto; e Pátria Redimida, de João Baptista Groff, com imagens da Revolução de 1930.
Dos filmes das décadas de 1950 e 1960, os destaques são Índios xetás na Serra dos Dourados, de José Loureiro Fernandes e Wladimir Kozàk; Usos e costumes dos poloneses no Paraná?, de Hermes Gonçalves; e Senhor Bom Jesus da Cana Verde, de frei Gabriel Ângelo.
Em 1985, foi recuperado um lote de filmes de grande importância para a história do Paraná. São obras do padre Tadeu Dziedzic: Milênio Cristão da Polônia (1966), Primeiro Centenário de Curitiba (1953), Congresso Eucarístico Nacional em Curitiba e Corpus Christi, ambos da década de 50.
Equipamentos históricos
A Cinemateca de Curitiba também possui uma coleção de equipamentos cinematográficos com perto de 50 peças. A importância do acervo foi destacada durante a Exposição Comemorativa aos 80 Anos do Cinema Mundial, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1975.
Entre as raridades está uma filmadora alemã Zeiss Ikon, de 35 mm, modelo da década de 1920, propriedade de João Baptista Groff, que com ela filmou a Revolução de 1930. A peça foi doada pela família Groff. Outro destaque é a filmadora italiana Prevost & Cia, de 35mm, que pertenceu a Willian Gericke, cineasta de São Paulo e um dos pioneiros do cinema brasileiro. É um modelo movido a manivela, com torre para duas objetivas e que permitiu a realização de diversos documentários sobre os nossos índios.
Também na relação está a filmadora alemã Ernemann Werke, de 35mm, que foi de José Cleto, cineasta da Região Sul. Com a câmara de madeira movida a manivela, Cleto fez o filme ?Nossa Terra?, produzido na década de 1920 e recuperado pela Cinemateca. Destaque ainda para o projetor de slides 35mm Ernemann Unox, da Alemanha, com mais de 70 anos.
Obras raras
A biblioteca da Cinemateca de Curitiba facilita o acesso do público a milhares de documentos ligados à história do cinema. São perto de seis mil assuntos catalogados e informatizados, englobando dicionários, catálogos, folhetos, periódicos, fichas técnicas, livros e roteiros.
Também estarão disponíveis para pesquisas quatro mil cartazes, 900 fotografias e 220 vídeos. O material inclui obras raras como Cinearte Álbum (RJ), de 1930, retratando artistas famosos da época, e perto de 30 exemplares da publicação ?A Scena Muda?, das décadas de 1920 e 1930.