Chega de maldade

Luís Melo estava enfastiado com o excesso de atrocidades que cometia na tevê. Para quem já incorporou grandes vilões como o Coronel Licurco, de JK, Bento Manuel, de A Casa das Sete Mulheres e o Diabo, do Auto da Compadecida, o divertido Orã, de Cobras & Lagartos, não poderia ter vindo em melhor hora. Na atual novela das sete, da Globo, o ator tem a possibilidade de brincar com um personagem que adora se vestir de mulher e se transformar na serelepe Conchita. ?É ótimo poder ser mais teatral e lidar com esse lado feminino dos homens, o que no Brasil só é permitido no Carnaval?, reitera.

Animado com o sucesso de Orã e Conchita junto às crianças, o ator revela que quando iniciou o processo de composição do personagem, tinha uma série de dúvidas porque o papel mexe com muitos valores. Mas em pouco tempo Luís Melo se despreocupou, pois percebeu que a marca principal de Orã é a impulsividade, o ?ser criança?. Até agora, Luís não enfrentou qualquer tipo de constrangimento com o público. ?Passar batom e usar aquelas roupas coloridas é um fetiche maior do que o próprio personagem ?, explica.

Antes de fazer rir na trama de João Emanuel Carneiro, Luís emendou dois vilões na tevê. Na minissérie JK, sobre a vida do presidente Juscelino Kubitschek, representou o Coronel Licurgo, personagem fictício acrescentado à história do Brasil. Mas as atrocidades que ele cometeu na trama foram tantas que boa parte do público se indignou por acreditar que tudo aquilo realmente tinha acontecido. ?Na verdade ele existia, sim. Podia não representar uma pessoa específica daquela época, mas representou uma classe inteira?, chama a atenção. O ator também encarnou o soturno Ramiro na novela América, de Glória Perez. O agenciador mau-caráter de imigrantes, no entanto, foi um papel bem menos empolgante para Luís Melo. ?Ramiro não tinha função na trama. Foi um acidente de percurso, que acontece com qualquer ator?, minimiza.

Luís confessa que já enfrentou esse tipo de acidente mais de uma vez nos seus onze anos de carreira televisiva – ele começou em 1995, na novela Cara & Coroa. ?Geralmente, é muito elenco para pouca história?, opina. O ator relembra um outro trabalho que, na sua opinião, foi repleto de problemas – a novela A Padroeira, de Walcyr Carrasco. Segundo ele, com a morte de Walter Avancini, a novela se desequilibrou e, em determinado momento, Luís não compreendia mais o que estava fazendo na história. ?Mas sou como um comandante e não abandono o barco no meio do caminho?, diz.

Mesmo com tantos percalços, Luís Melo tem dificuldades de eleger qual personagem mais gostou de incorporar na tevê. O Cravo e a Rosa, por exemplo, é uma novela que diz ter feito com muita satisfação. E não só porque conseguiu escapar do vilão. No folhetim, Luís viveu o engraçado Nicanor Batista. Mas porque o autor Walcyr Carrasco costuma buscar influência na literatura, o que, para o ator , ?é bom para o elenco, para o público, para todo mundo?.

Crítico ferrenho da mesmice que impera na teledramaturgia, o ator defende a busca por inovação. ?É preciso beber em outras fontes. Não dá para fazer novela utilizando só o linguajar usado na praia de Ipanema?, critica. E se apressa em dizer que todos precisam avaliar qual é a sua parcela de responsabilidade nesse problema. Luís Melo garante que faz essa autocrítica permanentemente.

Ilusionista sem ilusões

Mesmo com o sucesso alcançado na carreira televisiva, Luís Melo jamais se afastou dos palcos. Sua formação é teatral e, paralelamente às novelas e minisséries em que atua, o ator dirige na sua cidade natal, Curitiba, o ACT, Atêlie de Criação Teatral. É nesse espaço que tem contato com os jovens que sonham em se tornar grandes atores. Nem todos eles, no entanto, estão dispostos a percorrer o caminho mais indicado para alcançar a maturidade profissional. ?Os jovens hoje estão querendo pular etapas?, destaca o veterano. ?Digo que o importante é investir numa base sólida. A função do ator é iludir as pessoas, e não se iludir com falsas vaidades?, complementa.

 Sem se deixar atingir pelo glamour da televisão, o ator assume que é cada vez mais difícil convencer um iniciante na profissão de que o mais importante é o estudo, a curiosidade e a busca por informação. Luís Melo enfatiza ainda que o grande segredo é não se acomodar. ?O ator precisa ser lembrado pelo que está fazendo e não pelo que já fez?. Mas sua filosofia – e ele mesmo reconhece – está cada vez mais difícil de ser aplicada. ?Como vou dizer tudo isso para meus alunos se uma pessoa participa de um BBB e no outro dia está na novela? É complicado demais?, desabafa.

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