Assim a gente chega?

Desta vez acertaram? Na cor, ficou bom. A Mari que fez? É. Ela sempre acerta. Faça como ela, agora sempre. Tá’qui, oh: O troco dê para a Mari. Chama um táxi pra mim? Isso que é triste, agora essa chuva. Vai desmanchar todo. Preguiça de sair. Hoje tem um coquetel do Sérgio, da empresa q’ele trabalha, tem que ir. Por mim ficava em casa. É, né, chuva; nem dá vontade de sair. Tem que ir, essas coisas de firma, um saco não; conheço ninguém. Chegou teu táxi. Até sexta. Já paguei, né? Já. Tchau. Tchau e boa festa. Nem fale, um saco. Tem guarda-chuva? Miguel, leve ela até o táxi. Obrigado de volta. D’nada. Até.

Aqui é o Salão Marta? Cristina? Sou eu. Deixa eu abro. Esse trinco emperra, sempre. Pr’onde vamos? Pro Graciosa Country Clube. Munhoz da Rocha. Sei onde que é. Olhe Dona, acho que é o teu celular.

Oi. Não, tô saindo do salão. Uma meia hora, ainda. Do outro lado da Cidade. Não deu pra sair antes. Eu sei. Tá, já chego. Tchau.

O senhor tem como dar uma apressadinha? Nessa hora é complicado. Vou tentar ir pela Silva Jardim. Com chuva fica tudo congestionado. Tem que andar devagar, esse pessoal barbeiro. Julho fiquei dez dias com o carro parado. Um cara entrou atrás. Tem que cuidar. Pros taxistas é melhor com chuva, né, mais gente usa o táxi? Mais ou menos, tem suas vantagens e desvantagens, tem mais gente, mas fica mais perigoso. O Trânsito também não anda. O melhor é fazer mais corridas menores. Ficar muito tempo com um passageiro é ruim. Esses dias, recolhi as cinco e meia. Não quis arriscar ficar na rua. Fui pra casa.

Coitado desse pessoal que tem que vender no sinaleiro. Esses sofrem mesmo. Aqui sempre fica uma mulher, faz uns dois anos, já, vende bombom de uva, morango. Um dia parei e conversei, senhora sabe, professora, veja só que dó, vendendo no sinaleiro. Olha, lá está ela. Chama ela, me deu vontade de comer um chocolate. Buzine, buzine pra ela ver!

Oi! Oi, na chuva mesmo, hein! Vai um hoje? Faz tempo q’cê não leva nada… É pra senhora aqui atrás. Oi, dona, tem de uva e creme. Não tem morango mais? Queria de morango. Acabou, já. Vê um de uva, então. Dois. Um de uva, um de creme. Deu cinco, os dois. Obrigada. Tchau. A senhora veja! Professora, hoje tá aí, na chuva. Meu tempo, vivia bem. Me disse um dia: Marido foi mandado embora, tava trabalhando numa fábrica dessas aí, que veio de fora. Mandaram embora, da noite pro dia. Tem três filhos, cê veja que dó. Ela tá mantendo a casa, de professora não dá. Fica no sinaleiro.

Meu marido trabalha numa empresa que veio de fora, dessas. Na montadora. Ele diz que é terrível. Os caras fazem os brasileiros de gato e sapato. Se acham, eles. Me deu uma raiva, ele, me contando. Precisa ver. Na Europa, vivem nuns cubículos. Aqui, a empresa paga tudo, moram numas mansões, no Social! Ficam se achando os donos da bola. É, e nós ralando, que nem aquela professora, coitada, no sinaleiro.

A minha sorte é que eu to com dois carros na praça. Sorte, assim dizer. Uma placa era do meu pai. Morreu, fiquei com a placa dele também. Tenho um colega que faz o turno da noite num e meu primo pega o outro. Senhora veja, meu primo, formado em agrárias, também aí, desempregado mais de ano. Disse, vai pro interior, lá, Rondônia. Que jeito, família inteira aqui, mãe doente…

Senhor quer um bombom? Sorte que meu marido conseguiu esse emprego, tava feia a coisa. Agora, a gente nunca sabe. Eu mesma sou dentista. Tive que fechar o consultório. Que jeito, imposto daqui, imposto dali. Tava pagando pra trabalhar. Senhor sabe que essa montadora não paga imposto? Isso que eu acho sujeira mesmo. Meu marido, o Sérgio, disse, eles fizeram um acordo antes, pra vir pra cá. Acho isso errado, eu pago, o senhor paga. O dono da loja paga. Vem os sujeitos de fora e fazem acordo pra não pagar nada. Dizem que vão pagar depois. Pombas, cê acha que uma empresa dessas não tinha que pagar imposto? Já tão ganhando um dinheirão que mandam pra fora. Falam de gerar emprego, isso que me dá raiva também. Lá no salão que eu fui tinha umas cem moças. Eles têm que pagar. A montadora vem de fora e nada. Um absurdo.

Eu não sabia disso, não, senhora. Por isso que a gente aqui no Brasil só leva na cabeça. Vê lá, meu primo, diploma e não consegue serviço. Podia montar um negócio, escritório. Não dá. Não consegue manter…

Meu marido falou que o governo entrou com uma ação. Ele trabalha no jurídico lá, sabe? Pra rever os contratos assinados no governo anterior. O judiciário disse que tinha que manter o contrato. Desses contratos ninguém ficou sabendo como eram. Se me perguntassem dizia: Eu não quero! Agora, lá na montadora dizem, tem que manter o contrato. Os contratos de trabalho do pessoal que eles mandam embora nada! Esses não servem, esses não precisam manter!

Senhora sabe, bom conversar com gente esclarecida, também fico indignado com algumas coisas: Meu filho trabalhava com cegonha, levando os carros da montadora. A senhora sabe, foi mandado embora! A montadora trouxe de lá, da Europa, uma outra empresa, depois de ter tudo assinado aqui com a empresa onde meu filho trabalhava, romperam o contrato! Eles podem! Meu filho ficou sem serviço, não que foi mandado embora, mas é que a empresa teve que fechar! Tinham tudo no papel. Eles lá, quando é do interesse deles mantém o contrato. Quando não interessa, dá pra romper. Acham que a gente aqui é tudo burro!

Também, esperar o quê? País que a professora fica no sinal vendendo chocolate? Uma vergonha! Senhor acha que do jeito que está a gente chega? Olha, acho difícil. Assim como está, as coisas vão ficar sempre na mesma. Tinha que dar uma mudada geral! Não, eu disse, chegar no endereço! Ah, lá a gente chega. Demora mais um pouco mas, lá, pelo menos, a gente, chega…

Aristides Athayde

é advogado, professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito de Curitiba, mestre pela Northwestern University Chicago, Former Chairperson da Câmara de Comércio Brasil EUA (AMCHAM), membro da Câmara de Comércio Franco Brasileira e da ICC International Chamber of Commerce
aristides@aristidesathayde.com.br 

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