As mil faces de José

O ator é alguém que se reinventa o tempo todo, a cada trabalho, a cada dia. Uma prova perfeita da afirmação é o ator José de Abreu. Quem teve a oportunidade de assistir ao espetáculo Fala, Zé!, que estreou no XV Festival de Teatro de Curitiba, pôde comprovar que a cada dia ele se redescobre e compartilha todo este prazer com o público.

A concepção do espetáculo, inicialmente, vertia para um argumento trabalhado em cima do nome mais comum entre os brasileiros José criando referências a personagens comuns e famosos, contanto nos entremeios a história do próprio Abreu. Porém os (des)caminhos da política brasileira, coincidentemente tendo como um dos personagens um amigo de longa data do ator, o ex-braço direito do presidente Luíz Inácio Lula da Silva, José Dirceu, desviou o tema. Sim, o espetáculo ganhou um contorno político-escrachado, mas tão bem amarrado que não se mostra uma forçação antilulistas. Há críticas, porém com boa dose de humor e elegância.

Talvez por isso, a trama dirigida por Luiz Arthur Nunes e monologada por Abreu tem um tom tão verossímil – à exceção das intervenções do próprio Zé travestido de outras personagens na tela de projeções que faz as vezes de cenário -, que fica difícil distinguir o que realmente fez parte da vida de Abreu ou não.

O próprio ator define o espetáculo como ?uma autobiografia não-autorizada ou uma comédia psicopolíticodélica?, usando um curioso neologismo de contraponto.

A nostalgia da história de vida do ator, tendo como pano de fundo a história do Brasil, reúne memórias de sua vida e da de pessoas próximas, reunidas nos últimos 40 anos. Na viagem, há o retrato do engajamento político à época da ditadura militar à decepção com o governo oposicionista.

No aspecto técnico, Fala Zé abusa dos recursos multimídia e acerta ao quebrar o ritmo do monólogo com projeções de recortes de jornal, cenas verídicas e intervenções de outros personagens, que abrem o caminho para as aventuras de Zé e dos Josés que acompanharam ou acompanham a sua trajetória.

Apesar de algumas falhas no dia da estréia, contornadas com humor e maestria pelo ator e sua capacidade de improviso, a impressão deixada foi muito positiva. Só resta saber se quando voltar a Curitiba em junho, como foi prometido por ele, o espetáculo continue igual. Com as mudanças dos rumos políticos do Brasil, ele já avisou: tudo pode acontecer com o texto original. Afinal, a obra é propositadamente aberta.

Gisele Rech é jornalista
gisele@oestadodoparana.com.br

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