As memórias felizes de Bethânia, desde Carcará

d9b.jpgSão Paulo – Há 40 anos Maria Bethânia dormiu menina em Santo Amaro da Purificação e acordou mulher do mundo. O despertar veio com o grito de Carcará, de José Cândido e João do Vale, no antológico show Opinião. Esta é uma das memórias felizes que a cantora baiana traz de volta à cena no show Tempo Tempo Tempo Tempo, dirigido por Bia Lessa, que estreiou temporada nessa quinta-feira, (31) em São Paulo. O título extraído de um verso de Oração ao Tempo, do mano Caetano Veloso, representa na repetição da palavra a pontuação das quatro décadas que ela lembra no palco cantando de tudo, sem preconceito – de Tom Jobim a Benito di Paula.

A base do roteiro de 46 canções em dois atos, é o recém-lançado CD Que Falta Você me Faz (Biscoito Fino), dedicado a Vinicius de Moraes (1913-1980) que a recebeu com entusiasmo na chegada ao Rio, pouco antes da estréia arrebatadora. ?Tenho Vinicius muito quente na minha memória. Não tem nada de ?poetinha?, nunca o chamei assim?, diz Bethânia. Porque o samba nasceu lá na Bahia e pode ser uma forma de oração como dizia o poeta, ela mergulha nele ao contar sua história musical.

Longe de fazer balanço de carreira, Bethânia prefere celebrar. ?Adoro comemorar datas simbólicas, não tem nada a ver com avaliação?, diz. É claro que clássicos e compositores marcantes em sua carreira estão de volta: Chico Buarque (Olhos nos Olhos, Baioque e outras), Raul Seixas (Gita), Rosinha de Valença (Usina de Prata), Paulo Vanzolini (Volta por Cima), Lupicínio Rodrigues (Felicidade).

Parceiros

Outras de Caetano e Vinicius (?mais tesudo do que no disco?) e seus parceiros alternam-se entre inéditas de Almir Sater Planície de Prata, Sueli Costa Imagem, sobre poema de Cecília Meirelles, Roque Ferreira e J.Velloso Foguete, Roberto Mendes e Capinam Estranho Rapaz e Totonho Villeroy Um Dia para Vadiar. Esta, Villeroy compôs especialmente para o show. ?Ele é gaúcho, parceiro de Ana Carolina, gravou um CD com orquestra de câmara e compôs uma música em homenagem a Vinicius para uma baiana cantar. É lindo ver que o roqueiro mais tenro, mais novinho esteja comovido com o que há de mais bonito? diz a cantora.

A referência ao tempo não aparece necessariamente em forma de versos. ?A Oração de Caetano tem as palavras que eu gostaria de dizer sobre isso. Outras, como Carcará, têm sua dimensão no tempo.? A relação de Bethânia com ele é salutar, está sempre em movimento. ?Vivo para o meu ofício e aprendi muito na minha família, na minha formação, que ter disciplina é importante, remete sempre você para as férias. Adoro férias. Quem trabalha direitinho tem direito a elas?, diz, bem-humorada. ?Trabalho muito, com dedicação, às vezes exagero, mas é o que me dá prazer. Adoro ouvir tudo, me interesso por tudo. Além disso tenho a felicidade de ter amigos muito bonitos (Chico, Miúcha, Nana Caymmi, entre eles) e meu irmão, Caetano, que é minha inspiração. Isso tudo me anima muito.?

Nesse rol de estímulos cabe também Jaime Alem (arranjos, regência e violão), que há anos vem desenhando estampas sutis sobre as canções com que Bethânia escolhe para se derramar em poesia. Se na sonoridade e na amplitude de emoções ela mantém a equalização com o show ?Brasileirinho?, também dirigido por Bia Lessa, a transição visual contrasta.

Daniela Thomas criou um cenário abstrato, em linhas geométricas e com diversas referências a grandes nomes da arte contemporânea, que o público estranhou na temporada carioca. ?É natural que as pessoas fiquem sem entender?, diz Bethânia. ?É completamente diferente do barroco de ?Brasileirinho?, que tinha requintes do Recôncavo. Este é um show urbano, os elementos usados têm a ver com a época que nossos artistas plásticos estavam avançando.? Ali estão alusões a Hélio Oiticica, Lina Bo Bardi, Volpi. Para tudo se encerrar num soneto de fidelidade – a ela própria.

Voltar ao topo