As frases de quem fez mesmo a história na Bossa Nova

Foi lançado no mês passado o livro Eis aqui os Bossa Nova, do jornalista e pesquisador Zuza Homem de Mello. É uma publicação única na enxurrada que tivemos de lançamentos sobre o movimento mais importante da história da música brasileira. É um dos raros relatos da época que têm os próprios protagonistas como “contadores de casos”. Bem diferente das principais obras sobre a Bossa.

Nos últimos vinte anos, tivemos apenas um grande documento sobre o movimento – Chega de Saudade, do jornalista Ruy Castro. Ele é um dos maiores (senão for o maior) pesquisadores da Bossa Nova, além de ser um defensor ferrenho do estilo. Brilhantemente escrito, Chega de Saudade tornou-se um livro difícil de ser batido como relato da história da música brasileira. E o sucesso também inibiu outros escritores de arriscar escrever sobre o assunto, tanto que outro livro bem vendido foi também de Castro, A onda que se ergueu no mar.

Neste ano, com o cinqüentenário da Bossa, alguns outros títulos surgiram. Todos esbarram num certo “partidarismo” que, no final das contas, foi o que dividiu o movimento na década de 60 – alguns defendiam o lirismo das canções, outros queriam músicas mais engajadas, de protesto contra o regime militar então recém-instalado. Os livros acabam passando esta divisão para o papel, inclusive com clara tendência para um lado ou outro. Nem, Ruy Castro, em Chega de Saudade, escapou desta armadilha, pois ele era intimamente ligado a Ronaldo Bôscoli, que nunca se ligou em política e, por conta disso, viu Carlos Lyra, Nara Leão e outros menos votados saírem de sua aba.

Zuza Homem de Mello tem uma vantagem em relação a outros escritores da Bossa Nova. Paulista e com longas passagens pelos Estados Unidos, ele estava afastado desta discussão por uma razão simples – não estava no Rio de Janeiro e não conviveu com os músicos naquele período. Conversou com eles (e gravou todas as entrevistas) mais tarde, a partir de 1967, quando era o principal técnico de som e também produtor da TV Record, que tinha os programas musicais de maior audiência em São Paulo.

Ficou fácil para ele entrevistar Tom Jobim, Baden Powell, Vinícius de Moraes, Mílton Banana, Elis Regina, Johnny Alf, Sérgio Ricardo, Geraldo Vandré, Caetano Veloso, Nara Leão, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Chico Buarque e outros. Ao contrário de outros escritores, Zuza amarra os depoimentos como se fosse um documentário – suas “intromissões” são poucas, e as declarações dos personagens vão na íntegra, como se fossem peças de um tabuleiro que se encaixam.

Daí surge uma história que já conhecemos, mas que surge nova, tal uma típica releitura. E é este o charme de Eis aqui os Bossa Nova – é contar um fato que sabemos de uma maneira completamente diferente. Isto prende o leitor, que tem ali declarações inéditas daqueles que construíram o movimento no Brasil e depois o levaram mundo afora.

O único senão do livro de Zuza Homem de Mello não é exclusividade dele – está também em Chega de Saudade e em outros livros sobre a Bossa Nova. João Gilberto não fala. Quer dizer, João falou, e falou durante um dia e uma noite com Zuza, mas na hora de gravar ele se recusou. Típico do estranho, mas magnífico João Gilberto.

cristiantoledo@oestadodoparana.com.br