Aos 66 anos, Plant segue fiel a nunca se acomodar no passado

Nos estertores dos anos 1960, à frente do Led Zeppelin, Robert Plant mudou a face do rock’n’roll mundial com o peso de sua performance, uma espécie de materialização de um desejo perverso, sensual e fora de controle que ressoava (e ainda ressoa) em todas as plateias.

Hoje, aos 66 anos, o britânico Robert Anthony Plant continua fiel a apenas um tipo de mandamento musical: nunca se acomodar nas glórias do passado. E, claro, mantém também a juba dourada, marca registrada de sua glória. A ironia característica, com a qual ele costuma castigar interlocutores, é um recurso ao qual nem sempre acha necessário recorrer. “Eu já tenho andado por aí há algum tempo, não sei quanto mais eu posso dizer a vocês. Ou o que mais vocês queiram saber a meu respeito que já não saibam. Então, de vez em quando eu chuto alguns traseiros”, brincou, falando ao jornal O Estado de S.Paulo por telefone, na sexta-feira, 30.

O homem de frente do Led Zeppelin volta ao Brasil em março para o festival Lollapalooza, dias 28 e 29 de maio, no Autódromo de Interlagos, ao lado do seu grupo Sensational Space Shifters. Já tinha vindo em 2012, mas agora retorna a bordo de um disco elogiadíssimo, Lullaby and… The Ceaseless Roar. O disco tem bluegrass, blues, country, mas, ao mesmo tempo, é nervoso, avançado, diferente do trabalho mais soft que fizera anteriormente com a cantora Alison Krauss (como no disco Raising Sand, de 2007, que ganhou 6 prêmios Grammy).

“O mais importante sempre é você manter um interesse verdadeiro sobre os gêneros, não apenas misturá-los por compulsão. Nada é puro nesse tipo de música bastarda, híbrida. Eu vejo a música como um bom coquetel, um belo drinque, um mélange de coisas cuja musicalidade resulta num bom sabor”, disse o cantor. A crítica saudou o álbum como notável, um exercício de “falsa nostalgia”, como escreveu um jornalista.

Ouvindo o disco com a banda Sensational Space Shifters, é possível perceber tanto o sabor do Sul dos Estados Unidos quanto um componente muito moderno, elétrico. Plant diz que não é um caçador de modernidade por excelência. “Na verdade, não estou procurando criar nada que não seja resultado da combinação dos músicos que tenho no momento”, explicou.

“Tenho agora uma banda selvagem, e estou celebrando essa dádiva. Para se enriquecer musicalmente, às vezes vamos um pouco à frente no tempo, às vezes voltamos ao passado. Acredito que tudo que é preciso para se criar um bom ambiente para a música é ser estimulado; para criar uma performance realmente excitante. E eu fui abençoado com o dom de criar isso, um tipo de Paraíso elétrico. Eu procuro ser extremamente sincero sobre minhas intenções musicais. É isso que eu faço, é o que tenho feito nos últimos 40 anos: tentar possibilitar momentos muito bons para a plateia”, afirmou.

Plant veio ao Brasil diversas vezes (já esteve aqui com Jimmy Page, para o Hollywood Rock, em 1994). Segundo conta, as coisas que o atraem no Brasil são “espírito e a alma” do País. “Na arena internacional, os músicos todos adoram tocar no Brasil, por causa da “galera” (usa a expressão em português). É viciante, e intenso. A reação é entusiasmante para o artista”, explica.

Plant prossegue mergulhado na garimpagem daquilo que se costuma chamar de “americana roots”, busca que se intensificou nos anos recentes em que viveu no Texas (estava casado com a cantora Patty Griffin, de quem se separou em 2013, voltando a viver em Worcestershire, Inglaterra, perto da fronteira com o País de Gales).

Nessa imersão na cultura sulista, apaixonou-se pelo que definiu como “uma infusão fundamental de blues, gospel e psicodelia inspirada pelas raízes musicais do Mississippi, dos Apalaches, de Gâmbia, de Bristol e das quebradas de Wolverhampton, delineados por uma vida de significado e viagem”.

Com seus companheiros atuais da banda The Sensational Space Shifters (o guitarrista Justin Adams, o tocador de ritti Juldeh Camara, o baixista Billy Fuller, o baterista e percussionista Dave Smith, o tecladista Johnny Baggott, que vem do Massive Attack, e o guitarrista Liam Tyson), ele parece ter conseguido cristalizar uma sonoridade com um balanço preciso de moderno e clássico.

O Led Zeppelin acabou em 1980, e Lullaby and… The Ceaseless Roar é o 10º disco solo da carreira do seu ex-vocalista. Plant costuma cantar diversos hits da antiga (e mitológica) banda no show, mas não os que a maioria espera. Ele mesmo trata de falar sobre o que é fundamental para que escolha o que cantar.

“Eu penso o seguinte: compus e escrevi letras. Para que eu as cante, tenho de ainda acreditar no que elas dizem, elas ainda têm de fazer sentido para mim. Eu também tenho de sentir que estou habilitado para apresentar essas coisas ao público, tenho de buscar a essência sob aquela canção. Quanto eu canto Baby I’m Gonna Leave You, que não é uma canção que eu compus, mas que eu amo, eu compreendo a emoção que ela transmite, eu a entendo e me sinto capaz de transmitir isso.”

Robert Plant comentou brevemente sobre o atentado que matou artistas do jornal Charlie Hebdo, em Paris. “Sabe, muito tempo atrás, fui um jovem hippie que sonhou com a paz no mundo. O que posso dizer é o quão triste fico com esses momentos, com esses atos que causam tanta dor. Essas coisas me deixam em grande confusão, não vejo um sentido para isso.”

Fonte: Financial Times

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