Aloe Blacc amplia as fronteiras da black music

Aloe Blacc parece nome de um novo xampu de ervas que promete estancar queda de cabelo, mas é muito mais: é assim que assina sua arte o mais novo fenômeno da soul music.

No pico de seu prestígio, Aloe Blacc canta no domingo, 11, no festival Samsung Galaxy Best of Blues, em São Paulo, no WTC Golden Hall, no Brooklin, como uma das atrações principais do evento que começa nesta sexta, 09, ao lado de Ana Popovic, Jonny Lang, Buddy Guy, Céu, Joss Stone, Jeff Beck, Trombone Shorty e Marcelo D2.

Filho de pais panamenhos, nascido na Califórnia há 35 anos, Egbert Nathaniel Dawkins III começou na vida artística ainda no colégio, tocando trompete na banda marcial da escola, em Orange County, no sul do Estado. Já tinha tido a experiência de ser um B-Boy aos 4 anos, daí se juntou a um garoto vizinho e criou um duo de hip-hop, Emanon (significa No Name ao contrário), e adotou o codinome Aloe Blacc, que manteve na fase seguinte.

Há dois anos, ele veio cantar aqui no festival Back to Black e não era conhecido. Foi visto por poucos e bons. Hoje, após ocupar o palco principal de Coachella, está em todos os festivais, revistas, sites. Ele é econômico nas palavras ao explicar o sucesso em tão pouco tempo. “(É necessário) Criar canções que sejam importantes para a vida das pessoas, que tenham significado”, afirmou Blacc, falando à reportagem por telefone, de Londres, onde excursionava.

Dos shows de 2002 no Brasil (cantou no Rio e em São Paulo), Aloe Blacc lembra do essencial: “Alta energia. Todo mundo envolvido no show, não apenas assistindo, mas cantando e dançando”. Ele se apresentou na Estação Leopoldina, no Rio, e em São Paulo compôs uma sessão dupla no Bourbon Street com o grupo tuaregue Tinariwen. Estava excursionando na ocasião com seu segundo disco, “Good Things”, um som já vintage que foi gestado com a produção do time nova-iorquino Truth & Soul.

Ouvindo a música dele atual, tem-se a impressão que a diferença entre ele e predecessores mais destacados, como Sly Stone, Marvin Gaye e Al Green, é que ele é essencialmente moderno, propício aos dias nervosos de agora. “Eu curto a música deles, e amo o que aprendi com eles, mas também amo a música moderna, como o hip-hop, pop, que criam uma música nova”, afirmou.

Por outro lado, ele também não pode ser comparado a John Legend ou Drake, seus colegas de métier dos dias de hoje, porque ele parece frequentar outro campo. “(A diferença) é definitivamente um mood. O que eu faço é misturar diferentes sons, e é assim que eu crio esse novo conceito. Minhas letras e meus vocais são muito embasados pelo folk e pelo soul. E minha produção é feita de pedaços de hip-hop, soul, rock”, contou Blacc.

De certa forma, talvez haja uma proximidade maior com a intensidade emocional explorada por artistas como Amy Winehouse – o culto ao estilo de Aloe Blacc, por sinal, encontrou inicialmente forte ressonância na Europa. Ele concorda com o paralelo com Amy. “Back to Black é um álbum muito bacana. Gostei muito, era muito moderno e ao mesmo tempo muito clássico.”

Suas influências muitas vezes evocam coisas de Lionel Richie e Michael Jackson (de quem ele canta uma versão matadora de “Billie Jean”, acompanhado por um grupo de câmara, cujo vídeo pode ser achado na internet). Mas Blacc parece especialmente, ligado à tradição dos ativistas como Gil Scott-Heron, porque se preocupa sempre com o discurso, com a atitude política. “Acho que é importante ter música e letras associadas. Falar sobre temas que nos afetam no nosso cotidiano. Assim como acho também que é fundamental fazer música como uma celebração. Nós podemos fazer ambos.”

O legado da família panamenha, avalia Blacc, está também muito presente no seu som, com pitadas de reggae e dancehall. “Muito da população negra do Panamá vem do Caribe, da Jamaica, de Trinidad Tobago. Essa vibração caribenha é muito presente e misturada na música do Panamá, que está muito viva na minha música.”

Aloe Blacc chega a bordo de um badalado disco, “Lift Your Spirit”, seu terceiro álbum, que teve uma produção all stars: além de Pharrell Williams, participam o DJ Khalil (que trabalha com Drake e Kendrick Lamar) e Rock Mafia (que trabalha com No Doubt e Miley Cyrus). O single “The Man” (que faz referência a “Your Song”, de Elton John) chega perto agora de um milhão de downloads. A apresentadora Ellen DeGeneres fez uso de uma canção de Blacc, “Can You Do This”, em um comercial do Superbowl, e ainda levou o cantor ao seu programa.

O hip-hop também está muito enfronhado no que Aloe Blacc faz, e sua compreensão do gênero é muito ampla. Ele conta que gravou sua primeira mixtape (com o DJ Exile) em 1996, numa época de ouro para o rap, quando faziam sucesso grupos como A Tribe Called Quest, Tha Pharcyde, Wu Tang e Nas. Todos eram únicos e engajados, ele analisa.

“O hip-hop é uma grande comunidade de ativismo. A música é apenas uma das partes do todo. Há os b-boys, os dançarinos, os DJs. Tem uma estratégia de produção e é celebratório, político, todas essas coisas em uma só. Mas, na maior parte do tempo, não é isso que acontece. O rap passou a ser dominado por uma corrente que fala apenas de violência, de machismo e acumulação de dinheiro. Acho que muitos artistas não têm mais um entendimento do que o hip-hop significa.”

A aceitação de sua arte veio progressivamente. Em 2010, ele chegou às paradas com o single “I Need a Dollar”. No ano seguinte, com a banda The Grand Scheme, ele lançou o segundo disco solo em festivais importantes, como o Montreux Jazz Festival, na Suíça, e o Glastonbury, na Inglaterra. Ocupou os palcos de programas de TV como os franceses Taratata e Le Grand Journal e o Later Show do britânico Jools Holland. “I Need a Dollar” acabou se tornando uma espécie de hino informal da recessão que afeta os países europeus. “Todo mundo pode entender a experiência de precisar de um dólar”, brincou Blacc.

O sucesso do novo disco anima o artista a pensar em uma ampliação de seu ativismo, segundo disse em uma entrevista nos Estados Unidos. “Espero que (o disco) ajude numa mudança social positiva. Michael Jackson foi responsável por doar cerca de US$ 350 milhões em filantropia e caridade durante sua carreira. Se um dia eu chegar perto disso, então eu saberei que terei feito algo que teve importância”, acrescentou. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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