Admirável e desprezível

Nelson Xavier é do tipo que costuma ficar atento aos mínimos detalhes dos personagens que interpreta. Seja na hora de empregar um determinado tom de voz, como também nos trejeitos que "imprime" em cada um deles. Não por acaso, para "encarnar" o aproveitador Bento em Belíssima, da Globo, ele confessa que foi buscar inspiração no Fradim, o impagável personagem do saudoso cartunista Henfil. A escolha, destaca, se deve ao fato de Bento ter, entre suas principais características, uma boa dose de sarcasmo e ironia, além de estar sempre pronto a tirar proveito da situação.

"Não queria transformar o Bento num cara sisudo, o grande clichê dos vilões. Além disso, ele tem muito dos personagens do dramaturgo Plínio Marcos: é um vilão bem-humorado", teoriza.

Dono de um farto currículo em 38 anos de carreira – na tevê, ele estreou em Sangue e Areia, da Globo, em 1968 -, Nelson está satisfeito por participar da sua primeira novela escrita por Silvio de Abreu. Outro motivo de comemoração é poder, pela primeira vez também, contracenar com a mulher, a atriz Via Negromonte, que interpreta a Diva. "É ótimo, já que a gente discute nossas cenas e ensaia juntos. Dá mais tempero", avalia.

PO que você destacaria de mais instigante no Bento, de Belíssima?

R – O Bento é um picareta mesmo e, para sobreviver, se arma de vários expedientes, de diversos recursos, para ganhar uma grana. Além disso, é uma pessoa que, ao causar ou ao assistir a derrota do oponente, se diverte. É um vilão bem-humorado. Ele tem muito dos personagens de Plínio Marcos. São características que fazem do personagem uma figura ótima de se compor e que me diverte também, coisa que sempre procuro em meus trabalhos.

P O Bento é radicalmente diferente de seu último personagem, o ético motorista Sebastião, de Senhora do Destino. Onde buscou inspiração?

R – Tratava-se de um vilão e eu, como tinha feito o Sebastião, um cara severo, rígido, não quis fazer de novo um personagem fechado. Além disso, o clichê do vilão é o mau humor, é o cara que está sempre emburrado, sério. Resolvi, então, fazer dele um personagem alegre, irônico e cheio de sarcasmo. Entre outras coisas, me lembrei do Fradim, do Henfil, que se parece muito com o Bento.

P Atualmente você faz mais tevê. Mas sua estréia aconteceu depois de dez anos de carreira em teatro e cinema, com a novela Sangue e Areia, de 1968. Por que demorou tanto tempo?

R – Para falar a verdade, no início eu tinha medo de fazer televisão e também detestava. Fazia cinema com bastante liberdade, que, assim como o teatro, era uma coisa mais artesanal. Era arte mesmo e buscava-se a melhor maneira possível de se fazer. Como ator de tevê, ficava com medo da lente. Tinha horror à câmara, mas tive de me educar para aquele tipo de trabalho. Além disso, a tevê era aquela coisa industrial e fiquei com receio. As primeiras tentativas, aliás, foram muito difíceis, principalmente em João da Silva, que, acredito, é uma verdadeira mancha na minha carreira.

P Por quê?

R – Como eu disse, não me dava bem com o fato de trabalhar em tevê. Mas estava na pior, sem dinheiro até para pagar aluguel, e resolvi aceitar, já que achei o projeto inicial interessante. Pretendia ser didático e procurava alfabetizar e orientar os telespectadores. Mas, depois, percebi que a novela tinha sido completamente subvertida pela influência dos militares, já que vivíamos em plena ditadura e a emissora era do governo. A coisa ficou tão dirigida e autoritária que eu não tive forças para me rebelar contra aquilo. Me envergonho até hoje de ter participado.

P E quando passou a gostar de trabalhar em tevê?

R – Quando vi Malu Mulher, que era uma coisa mais bem cuidada. A partir de então comecei a me sentir mais à vontade e me soltar diante da lente. Além disso, fiz alguns bons trabalhos. Adorei, por exemplo, ter tido a oportunidade de protagonizar a minissérie Lampião e Maria Bonita. Quando já estava sem medo algum é que me encontrei e fui podendo desenvolver um trabalho que eu respeitasse. 

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