A polêmica dos ingressos do show de Roberto Carlos

Foi um dos assuntos mais discutidos em agosto. Desde o início da venda de ingressos para os shows de Roberto Carlos, no início de outubro, no Teatro Positivo, em Curitiba, o valor das entradas foi o tema das conversas. Até o Ministério Público entrou na onda, reclamando dos indecentes R$ 1.200,00.

É inevitável não falar sobre isso. O preço é proibitivo até para classe média-alta, que não pode gastar em um show o que gasta com saúde, com alimentação ou com a educação dos filhos.

Torna-se uma apresentação restrita a quem tem direito à meia-entrada, é parceiro de algum dos produtores do show, quem vai ganhar um convite (e aí não pagar nada) ou quem tem dinheiro para pagar o preço.

E não há como dizer que quem não puder ver o show ao vivo não perderá tanto – pelo menos em matéria de surpresas. Tirante o fato de ver Roberto Carlos de perto, a apresentação não será em nada diferente do que foi apresentado para todo o País, via TV Globo, no show do Maracanã, no Rio de Janeiro, e que deve ser repetido no tradicional especial de final de ano na mesma emissora.

Seria sensacional que a passagem do Rei por Curitiba trouxesse alguma “bomba” -como se ele decidisse cantar Quero Que Vá Tudo Pro Inferno de uma hora para outra. Em uma avaliação mais cruel, muito do show também estará “disponível” no YouTube, possivelmente no dia seguinte à passagem do cantor por aqui.

Outro detalhe: se Curitiba tivesse um lugar de respeito para grandes shows, toda essa polêmica não teria acontecido. Não que o Teatro Positivo não seja um espaço de nível, muito pelo contrário.

Tal como o Teatro Guaíra, são locais excelentes, mas que recebem pouco mais de duas mil pessoas. Aí, os produtores são obrigados a aumentar o preço dos ingressos para compensar os cachês.

O recém-inaugurado Faustu’s Music Show (que o escriba não conhece, mas que merece crédito por ter Luiz Carlos Mièle como diretor musical) também não supre a necessidade. Falta um ginásio, ou mesmo uma casa como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília e Fortaleza têm.

Veja só. Já passou metade do texto e o mais importante ainda não apareceu. E foi o que a discussão do preço dos ingressos fez – esqueceu-se do quão relevante é o show do Rei, por tudo que implica este cinquentenário de carreira do cantor; e do que significa para o Brasil a obra dele.

Este “reducionismo’ é muito interessante para quem quer diminuir a importância de Roberto, tratando-o como “menor’ ante outros grandes nomes da música brasileira, como Chico Buarque, Tom Jobim e João Gilberto.

O maniqueísmo (para muitos, uma patrulha) é simples de ser praticado. Se Roberto Carlos não fugiu do romantismo, foi um alienado político e adotou práticas musicais “estrangeiras” -rock, soul, fox -; e se Chico Buarque transitou por todos os ritmos, lutou contra a ditadura e sempre esteve ao lado dos estilos “nacionais”?

Escolhe-se Chico e pronto. Roberto é o criticado, o produto de consumo, o mau exemplo, o símbolo de um país que não gosta de boa música. Mesmo 25 anos depois do final do regime militar, há quem pense assim.

E que não entende que, apesar de terem trajetórias tão distintas (ou talvez por isso), é possível admirar e respeitar Chico, Tom, João, Caetano, Gil, Bethânia e Roberto.

Todos representam, cada um a seu modo, estilos da música brasileira – e se não se complementam, podem conviver sossegadamente. Tanto que, ano retrasado, Chico Buarque gravou Olha ao lado de Erasmo Carlos. Uma canção que fez grande sucesso na voz do Rei, e que é uma das suas grandes composições.

E se o esporte preferido de alguns críticos é desancar Roberto, ou eles não sabem ou eles não querem saber que foi ele, ao lado o parceiro Erasmo, o responsável por pérolas da Música Popular Brasileira (sim, a com letras maiúsculas).

Afinal, eles compuseram e ele cantou Não Quero Ver Você Triste, As Canções Que Você Fez Pra Mim, Sua Estupidez, Se Você Pensa, As Curvas da Estrada de Santos, Detalhes, Os Seus Botões, Café da Manhã, Cavalgada e Fera Ferida. Em um pulo, em um parágrafo, dez grandes canções.

Sem deixar de falar na já citada Olha e também em todos os sucessos populares – sim, há muitos: Quero Que Vá Tudo Pro Inferno, Parei na Contramão, Eu Sou Terrível, Além do Horizonte, Proposta, Jesus Cristo, Cama e Mesa, A Montanha, Ilegal, Imoral ou Engorda, Desabafo, Amante à Moda Antiga, Emoções, Caminhoneiro, Nossa Senhora.

Além das outras canções que ele cantou, e que foram compostas por outros artistas: Nossa Canção, O Calhambeque, Negro Gato, Quase Fui Lhe Procurar, Falando Sério, Como Dois e Dois, Força Estranha, Outra Vez. São músicas com trechos que estão na antologia romântica brasileira:

“É tão difícil olhar o mundo e ver / o que ainda existe / pois sem você / meu mundo é diferente / minha alegria é triste…” (As Canções Que Você Fez Pra Mim)

“Meu bem, meu bem / use a inteligência uma vez só / quantos idiotas vivem só / sem ter amor / e você vai ficar também sozinha / eu sei porque / sua estupidez não lhe deixa ver que eu te amo…”
(Sua Estupidez)

“Só ando sozinho e no meu caminho o tempo é cada vez menor / preciso de ajuda, por favor me acuda / eu vivo muito só…” (As Curvas da Estrada de Santos) “Detalhes tão pequenos de nós dois / são coisas muito grandes pra esquecer / e à toda hora vão estar presentes / você vai ver…”
(Detalhes)

“Animal ferido / por instinto decidido / os meus rastros desfiz / tentativa infeliz de esquecer…” (Fera Ferida)

Em qualquer país, quem tivesse esta série quase infindável de grandes canções, grandes sucessos e grandes interpretações seria um gênio acima de qualquer suspeita. No Brasil, Roberto Carlos é consagrado pelo público, mas continua sendo negado pelos intelectuais.

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