A epopéia do Velho Oeste no cinema

Há quem diga que a verdadeira história americana está no cinema. Pelo menos no que se refere à conquista do Oeste, o Velho Oeste, ou western, quando virou gênero cinematográfico. É claro que há exagero nisso. Mas que o cinema fez um bom trabalho não resta a menor dúvida. Nós, pelo menos, que crescemos freqüentando as matinês dominicais, somos incapazes de admitir a existência de qualquer expedição de destemidos pioneiros rumo ao Arizona, ao Kentucky, a Oklahoma, a Santa Fé, à Califórnia, ao Texas ou às montanhas geladas do Colorado sem a presença em cena de John Wayne, Tom Mix, Tom Tyler, Buck Jones, Tim McCoy, Gary Cooper, Alan Ladd, Tyrone Powell, Gregory Peck, James Stewart, Glenn Ford, Kirk Douglas, Roy Rogers, Gene Autry, Randolph Scott, Joel McCrea, Charles Starrett, Bill Elliot. Burt Lancaster, Henry Fonda, Bill Boyd, Lee Van Cleef, Fess Parker, James Coburn, Lee Marvin, Clint Eastwood e Kevin Costner – para ficar apenas nos cowboys mais salientes. Ou sem a intervenção de diretores como John Ford, Raoul Walsh, King Vidor, Henry Hathaway, Howard Hawks, Anthony Mann, Henry King, Fred Zinnemann, Nicholas Ray, George Stevens, Robert Aldrich, Sam Peckinpah e Sergio Leone.

Talvez tenha sido esse um dos motivos que levaram o ítalo-brasileiro Primaggio Mantovi, importante nome da história dos quadrinhos no Brasil, como desenhista e roteirista, a publicar 100 Anos de Western, lançado pela Opera Graphica Editora, em edição numerada e autografada. Trata-se de uma obra de fôlego para cinéfilo algum botar defeito. E se for aficionado do cinema de “bang-bang”, então soltará, com certeza, rojões de alegria, já que tiroteios em praça pública são proibidos pela atual legislação brasileira.

Um século de aventura

A partir de O Grande Roubo do Trem, filmado por Edwin S. Porter em 1903, tido como a primeira produção cinematográfica do gênero, Mantovi comemora a passagem dos 100 anos de cinema faroeste, com um trabalho de dar gosto. Que não se limita a relacionar títulos, elencos e histórias. Vai muito além e divide o universo filmográfico em capítulos que se estendem desde o nascimento do tema e os primeiros “mocinhos” aos grandes épicos do gênero, incluindo a classificação da produção, a evolução técnica e artística e os grandes momentos da aventura. Sem esquecer da contribuição da televisão e, em especial, da mudança de enfoque dos personagens envolvidos, à medida em que o tempo foi passando, juntamente com a conscientização social do próprio povo norte-americano. Prova disso está na mutação do tratamento dado aos peles-vermelhas, a princípio tidos como selvagens cruéis, e a personagens históricos como o general Custer, o ex-herói que teve a verdadeira face, de impiedoso dizimador das nações indígenas, finalmente revelada na tela.

100 Anos de Western, como registra a doutora em Ciências da Comunicação Sônia M. Bibe Luyten, que assina a apresentação da obra, “é, pois, um relato minucioso, bem-humorado mas, também, implacável de tudo o que ocorreu num dos mais importantes setores do cinema norte-americano e, por decorrência, no mundo ocidental”.

Marcos da jornada

Quando Tomas Alva Edison desenvolveu, em 1891, o Kinetoscópio, considerado a primeira câmera de cinema, e deu o pontapé inicial para a criação de uma das mais poderosas indústrias do mundo, certamente não imaginava o que estava criando. O caminho foi longo e algumas lutas internas tiveram que ser desencadeadas e vencidas. Mas o resultado aí está, soberbo e positivo, um século depois. Eis alguns marcos da caminhada:

Até 1929 os filmes eram mudos. O cinema já havia aprendido a falar, mas os donos dos grandes estúdios continuavam achando que mocinhos e bandidos não tinham nada a dizer, precisando apenas galopar, saber brigar e empunhar um par de pistolas. E que seria impossível sonorizar as cenas de ação. Com isso, o gênero quase recebeu um definitivo The End. Até que o diretor Raoul Walsh teve a idéia de esconder microfones atrás de moitas e pedras.

O mesmo Walsh, não tendo conseguido o concurso de Gary Cooper para estrelar A Grande Jornada (1930), acatou a sugestão do colega John Ford e deu uma oportunidade a um novato chamado Marion Michael Morrison. Exigiu, porém, que o ator mudasse o nome de batismo, nada cinematográfico. Marion, então, passou a chamar-se John Wayne.

Pelas suas próprias características, o western era adequado para filmes classe B: histórias lineares, quase sempre óbvias e repetidas, muitos socos, tiroteios, assalto a banco, perseguições a cavalo, estouro de boiadas, ataques de índios – cenas muitas vezes reaproveitadas de outros filmes. A definição foi dada por alguém: “Você sabe que é um western B quando o cavalo do mocinho tem nome”. O de Tom Mix era Tony; o do Zorro (Lone Ranger) era Silver; o de Roy Rogers, Trigger; e o de Gene Autry, Campeão.

No Tempo das Diligências, de John Ford, estrelado por John Wayne e Claire Travor e totalmente filmado no Monument Valley, em Utah, embora extremamente simples, foi um divisor de águas e um dos maiores clássicos de todos os tempos. E, pela primeira vez, mostrou-se em um faroeste o conflito, moral e psicológico, dos personagens.

Waderer of the Wasterlans (1939), adaptado de uma novela de Zane Grey, foi o primeiro western filmado a cores, que na verdade eram apenas duas. Mas coube a Jesse James, dirigido por Henry King, com Tyrone Powell e Henry Ford, no mesmo ano, a honra de ser o primeiro faroreste do cinema em technicolor (3 cores básicas).

Hopalong Cassidy, vivido por William Boyd, foi o primeiro “mocinho” a aparecer na TV, em 1949. Depois, chegaram Gene Autry, Roy Rogers e os seriados de The Lone Ranger, com Clayton Moore (Zorro, no Brasil); Wild Bill Hickok, com Guy Madison; Davy Crockett, Rin Tin Tin, Gunsmoke, com James Arness; Bat Masterson, com Gene Barry; Maverick, com James Garner; Wyatt Earp, Buffalo Bill, Paladino do Oeste, O Homem do Rifle, Bonanza, O Homem de Virgínia, James West, Daniel Boone, Big Valley, Cimarron e Chaparral, entre outros.

Outra produção que logo se tornou um clássico foi Shane (1953), embora os tradutores brasileiros tenham tido a infeliz idéia de chamá-lo de “Os Brutos Também Amam”. Talvez tenha sido o western mais imitado da história do cinema. Quando a concorrência da televisão começou a incomodar, o cinema inventou a tela retangular, panorâmica, através de processos que denominou CinemaScope, Cinerama e PanaVision. Lança Partida, da Fox, em 1954, foi o primeiro western em CinemaScope. Dirigido por Edward Dmytryk e estrelado por Spencer Tracyr e Robert Wagner, o filme explorou ao máximo a grandiosidade da tela e a vastidão do território do Arizona.

O primeiro trabalho de John Ford filmado em tela panorâmica foi Rastros de Ódio (1956), com John Wayne e Natalie Wood, visto até hoje por muitos como a maior faroeste de todos os tempos. Há certo exagero nisso, mas a produção marcou época na história do cinema. sem dúvida.

No início da década de 60, quando o gênero voltou a definhar, surgiu em cena Sam Peckinpah. Ele retirou da aposentadoria dois veteranos, Joel McCrea e Randolph Scott, e os reuniu em Pistoleiros do Entardecer, um exemplo de western moderno e, ao mesmo tempo, romântico, nostálgico e heróico, que acabou inaugurando um novo estilo – o faroeste desmistificador, cujo ponto alto muito provavelmente foi Crepúsculo de uma Raça (1964), no qual o velho diretor procura redimir-se da matança de índios que marcou a sua longa carreira. Foi também a despedida de Ford.

De Peckinpah ainda teria Meu Ódio Será Tua Herança (1969), que consolidaria o diretor como “o poeta da violência”, um filme sem heróis, com cenas de brutalidade jamais vistas no cinema, filmadas em câmara lenta, que não pouparam nem mulheres e crianças. No elenco, William Holden, Ernest Borgnine, Roberto Ryan e Edmond O?Brien.

Em 1968, foi a vez do italiano Sergio Leone filmar em Monument Valley. Ali, ele criou uma verdadeira obra-prima, estrelada por Henry Fonda, Charles Bronson, Jason Robars, Cláudia Cardinale, Keenan Wynn, Gabriele Ferzetti e Frank Wolff: Era uma Vez no Oeste, enorme sucesso de crítica e de bilheteria.

Finalmente, em 1976, John Wayne, o mais autêntico personagem do Velho Oeste, depôs as armas. Em O Último Pistoleiro, de Don Siegel, ofereceu ao público aquele que seria o seu derradeiro disparo: uma bem dosada mistura de realidade e ficção. Na tela, um caubói envelhecido e cansado, ouve do médico o diagnóstico de que está morrendo de câncer; na vida real, o ator, já doente do mesmo mal, morreria três anos depois.

Tudo isso (e muito mais) foi reunido por Primaggio Mantovi em um belo trabalho de pesquisa, que indica, ainda, a íntima relação do cinema de faroeste com outros meios de expressão, como as histórias-em-quadrinhos.

Como a produção da Opera Graphica Editora é preferencialmente dirigida aos pontos de venda do HQ Clube, os interessados em adquirir o álbum de Primaggio Mantovi deverão procurá-lo (ou encomendá-lo) em Curitiba na Itiban Comic Shop da Av. Silva Jardim, n.º 845.

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