A Bossa-Nova lasciva de Diana Krall

Quando foi “instituída” (porque não foi criada ou inventada, ela apenas apareceu), em meados de 1958, a Bossa Nova representava uma lufada de otimismo e romantismo na música brasileira. Vínhamos de um período de predomínio do samba-canção, e de forte presença da chamada “música de fossa”, protagonizada por Antônio Maria (Ninguém me ama) e Maysa (Ouça, Meu mundo caiu).

Os historiadores desta época sempre recordam de temas que exageravam nas tintas dramáticas, como Risque (“…o meu nome do seu caderno / que eu não mereço o inferno / do nosso amor fracassado…”) e Vingança (“Mas enquanto tiver sangue em meu peito eu não quero mais nada / só vingança, vingança, vingança aos santos clamar / você há de rolar como as pedras / que rolam na estrada…”).

Era totalmente diferente aquela música nova, jovem e descontraída. Geralmente afirmativa e positiva no romance (“Ah, se ela voltar, se ela voltar / que coisa linda / que coisa louca…” e “Eu sei que vou te amar / por toda a minha vida eu vou te amar…”), a Bossa Nova permitia que os jovens pudessem, no sentido figurado, “cantar” as meninas naquelas canjas de violão.

Sim, porque a Bossa virou a música perfeita para embalar os namoros no final dos anos 50s e início dos 60s. O auge veio com a, talvez, mais romântica música do período, Minha namorada, de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes (“E se mais do que minha namorada / você quer ser minha amada / minha amada mais amada pra valer / aquela amada pelo amor predestinada / sem a qual a vida é nada / sem a qual se quer morrer…”). Músicas como esta foram decisivas para vários namoros que viraram casamentos – e podem ser responsáveis, indiretamente, por uma geração inteira, que hoje está por volta dos 35 anos.

Com a “modernização” da música, estes temas ficaram escondidos, servido apenas para um pequeno público. Mas eis que surge a cantora adulta mais popular do mundo na atualidade para dar uma levantada na Bossa Nova. Diana Krall, 44 anos, no esplendor da forma e da beleza, gravou um CD dedicado à Bossa (Quiet nights) e, para completar, lançou mês passado o DVD Live in Rio, em que apresenta basicamente o repertório do CD com banda e orquestra.

E aí a Bossa Nova, romântica, afirmativa e positiva, vira altamente lasciva. Diana Krall mudou o panorama do jazz justamente por ser uma artista “diferente” – canta, toca piano, compõe, é loira e bonita (e casada com Elvis Costello). Chegou em 2009 em paz com a vida, como diria aquele cantor. Casada, feliz, recuperada do baque da morte da mãe e curtindo os filhos.

E, com o perdão da expressão, um mulherão, que pode ser visto de vários ângulos no DVD Live in Rio. Ela entra no espírito da cidade e aparece em roupas decotadas, vestidos floridos e pernas à mostra – seja durante o show, gravado no Vivo Rio, seja nas imagens que ilustram as músicas ou no minidocumentário que vem como extra.

O clima já é outro quando ela vai ao palco. Para somar, a atmosfera romântica, mormacenta, totalmente carioca, desde as imagens de Ipanema até os arranjos de Claus Ogerman (que é parte importante do seminal Francis Albert Sinatra & Antônio Carlos Jobim).

E a sensualidade atinge o auge quando Diana, com seu português arrastado, canta Este seu olhar, de Tom Jobim (“Este seu olhar / quando encontra o meu / fala de umas coisas / que eu nem posso acreditar…”). É a Bossa Nova do jeito Diana Krall, adicionando um tempero picante canadense na alquimia de Tom, Vinícius e João Gilberto.