Um campeonato sob suspeita

Confiar em quem? As denúncias sobre a ?máfia? nacional do apito apresentadas na revista Veja, que chega às bancas do Estado hoje, colocaram todo o campeonato brasileiro sob suspeita. As conversas do árbitro Edílson Pereira de Carvalho com grandes apostadores de sítios ilegais escancararam a crise de credibilidade do nosso futebol – e aumentaram as dúvidas sobre a arbitragem, já manchada pela ?crise do bruxo? no Paraná. Clubes e jogadores estão surpresos com a maior ofensiva do crime (organizado ou não) no país desde a Máfia da Loteria Esportiva, no início dos anos 80.

Se naquela oportunidade a crise estava disseminada, tanto que abalou o principal jogo de azar do Brasil, agora é um fato localizado – mas que afetou diretamente os 22 clubes do Brasileirão, a nossa competição mais importante. Edílson foi ?pego? em gravações confirmando o acerto das partidas em que trabalhou no campeonato – foram onze, muitas delas com lances polêmicos. O acerto envolvia as apostas teoricamente mais surpreendentes, as ?zebras?, que valeriam mais para os apostadores. Estes, por sua vez, colocavam altos valores em determinadas equipes, pois tinham a certeza da manipulação quando necessário.

Um dos times prejudicados foi o Coritiba, que perdeu para o Internacional no dia 21 de agosto, na última rodada do primeiro turno. Após a partida, o meia Marquinhos (que se recupera de uma operação no joelho) reclamou com veemência de Edílson Pereira de Carvalho. ?O juiz não dava pênalti para o Coritiba. Eles sempre agarravam dentro da área e ele não marcava nada. Usou de dois pesos e duas medidas?, disse. ?Se vocês puxarem pela memória, houve dois lances de penalidade para a gente que não foram marcados, um no (Marcelo) Peabiru e outro no Jackson?, lembra o técnico Cuca.

Em nota oficial, divulgada na tarde de ontem, a diretoria do Coritiba lamentou o episódio. ?É muito triste ver que, no momento que o futebol brasileiro parecia recuperar a credibilidade, surge um fato como este, que involuntariamente atinge todos os que participam do campeonato brasileiro?, afirmou o vice-presidente André Ribeiro. O clube vai avaliar se toma as atitudes cabíveis junto ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva, que seria o pedido de anulação da partida. Em entrevista à rádio Banda B, o procurador Paulo Schmitt disse que o STJD agirá com rapidez.

Segundo o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), no seu artigo 275, é crime ?proceder de forma atentatória à dignidade do desporto, com o fim de alterar resultado da competição?. O STJD tem o poder de anular o jogo caso seja confirmada a manipulação. ?Vamos ter que analisar caso a caso?, afirmou Paulo Schmitt. Para Edílson, caso comprovada a corrupção, ele – além da pena cabível na Justiça Comum – será eliminado do futebol.

O presidente do Paraná Clube, José Carlos de Miranda, ainda estava buscando informações sobre o caso – por sinal, Edílson estava no sorteio do jogo de ontem entre o Tricolor e o Fortaleza. ?A gente, assim como todos, só soube do que aconteceu pela imprensa. Mas é lamentável que isso siga ocorrendo no nosso futebol. Às vezes algumas pessoas se esquecem que o futebol é a vida para milhões de brasileiros. A minha posição pessoal é que os jogos que o árbitro apitou sejam anulados?, comentou o dirigente, em entrevista à rádio Transamérica. Procurado por O Estado, o presidente do Conselho Deliberativo do Atlético, Mário Celso Petraglia, não quis comentar o assunto, dizendo ser da competência do Conselho Gestor. Foram feitas várias tentativas de contato com o presidente rubro-negro João Augusto Fleury da Rocha, que não atendeu aos telefonemas.

Envolvidos estão presos

São Paulo (Ag. Placar) – Os primeiros efeitos da investigação sobre a ?Máfia do Apito? no Brasil já surgiram. Na manhã de ontem, o árbitro Edílson Pereira de Carvalho e o empresário Nagib Fayad foram presos pela Polícia Federal.

Os mandados de prisão dos três acusados estavam prontos desde a noite de sexta-feira, mas, devido a uma instituição jurídica, a Polícia Federal teve que esperar até amanhecer para efetuar as prisões.

Além de ter sido preso, Edílson Pereira de Carvalho foi afastado do quadro de árbitros pela CBF. A entidade que comanda o futebol brasileiro vai criar uma comissão para investigar o caso. O árbitro participou de 11 jogos do Campeonato Brasileiro 2005.

Ameaçado

Enquanto era preso pela Polícia Federal, Edílson concedeu uma rápida entrevista à Rede Globo e deu sua explicação para o ocorrido. ?Fiz tudo sob ameaça. Sempre fiz por ameaças à minha filha e minha esposa?, declarou.

Como foram montados os esquemas com arbitragem

São Paulo (Ag. Placar) – Dois sites de apostas de futebol pela internet, alguns apostadores desonestos e um juiz ladrão. Segundo a revista Veja, assim funcionava o esquema que teria manipulado vários jogos do campeonato brasileiro de 2005. O site Aebet, com sede no Rio de Janeiro, era aberto a qualquer pessoa para fazer apostas em variados eventos esportivos, como futebol, Fórmula-1 e basquete.

Bastava acessá-lo, fazer um cadastro e escolher a forma de pagamento para bancar o jogo: depósito bancário ou cartão de crédito. No caso do Futbet, só podiam acessá-lo as pessoas que ganhassem uma senha de seu proprietário, Armando Sabonga, empresário de jogos de Piracicaba. De resto, os dois sites operavam de maneira semelhante, usando a lógica comum às bolsas de apostas em todo o mundo.

Na Espanha, Itália e vários outros países, é possível apostar pela internet em jogos da Liga dos Campeões ou dos campeonatos nacionais. Tudo muito normal, a não ser pelo fato que lá os jogos não são manipulados.

Os dois sites são o www.aebet.com.br, do Rio de Janeiro, e www.futbet.com.br, de Piracicaba, já fora do ar. Seus proprietários, também criminosos no Brasil, estão indiciados por patrocinar jogos de azar. Aparentemente, são vítimas do esquema: desconheciam a fraude nas partidas por parte de seus clientes apostadores.

Edílson Pereira de Carvalho recebia entre 10 e 15 mil de suborno para garantir um resultado. Mas quem realmente ganhava dinheiro eram os apostadores, que jogavam entre 150 mil e 200 mil reais por partida e podiam lucrar até o dobro deste valor numa única aposta, dependendo da partida. A PF estima que, só neste ano, os lucros do bando teriam passado de R$ 1 milhão.

Quem chefiava a quadrilha de apostadores é Nagib Fayad, de 39 anos, o Gibão. Seus três sócios, que bancam as apostas, são donos de bingo e suas identidades ainda não foram reveladas. O valor do prêmio de uma aposta dependia sempre da cotação dos sites para cada resultado. Ou seja: se um time era favorito para um jogo, mais pessoas apostariam nele e, conseqüentemente, o prêmio tinha cotação menor, em torno de 1,5 vez o valor apostado. Um jogo mais arriscado, numa equipe com menos chances de vitória, pagava até mais de seis vezes o valor apostado.

A tática da máfia era ?cautelosa?: jogar quase sempre nos favoritos, mas em grandes quantias, entre 150 e 200 mil reais. Caberia aos árbitros, apenas, garantir que não haveria as chamadas ?zebras?. Até porque um juiz ladrão consegue interferir nos resultados, mas não faz milagres.

Em muitas partidas, Edílson não conseguiu garantir o resultado pedido por Gibão e teve de dar explicações ao chefe sobre isso. A Polícia Federal e o Ministério Público devem levantar nos sites de aposta todos os jogos que Edílson apitou e que Gibão apostou. Mesmo sem conversas grampeadas em todos os jogos apitados por Edílson, a simples coincidência entre esses jogos apitados e apostados é suficientemente suspeita.

Paulista também

O campeonato paulista corre o risco de sofrer mudanças em sua colocação final caso sejam comprovadas as denúncias contra os árbitros Edílson Pereira de Carvalho e Paulo José Danelon. O presidente da FPF, Marco Pólo Del Nero, afirmou que essa providência será tomada após uma decisão do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). ?A Justiça Desportiva vai resolver se haverá algum tipo de modificação na classificação final. Vamos esperar uma decisão oficial do STJD?, disse Del Nero.

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